“As regras sobre como publicar na Mayamba estão escritas”. Entrevista a Arlindo Isabel
Por Gremildo Silva
Entrevista a Arlindo Isabel (*)
O mestre em jornalismo e director da Editora Mayamba fala dos níveis
das editoras nacionais e não só
Como começou a sua carreira no meio editorial?
Começou, de modo inconsciente, no Jornal de Angola. Tinha acabado de chegar de Cuba, onde me formei. Depois de uma breve passagem pelas Editorias de Sociedade e Política, transitei para a Editoria de Cultura. A cobertura de actos culturais de toda a natureza e, muito especialmente, os escassíssimos actos de lançamentos de livros, naquela altura (1994--1999), fizeram-me pensar na edição livreira. Em 1994, aceitei o convite da então Vice-Ministra da Cultura, depois Ministra da Cultura, a antropóloga Ana Maria de Oliveira, para dirigir o Instituto Nacional do Livro e do Disco (INALD), actual INIC – Instituto Nacional das Indústrias Culturais. Foi aí onde senti um forte apelo à necessidade de uma aposta séria na edição de livros, sobretudo de livros de autores angolanos, como parte do esforço geral visando a afirmação do nosso país na dimensão da produção intelectual e científica. Forjei o conceito de “Obras de Interesse Cultural Nacional”, ao abrigo do qual publiquei várias obras de ensaio, reabilitei os Prémios Literários, que ainda hoje vigoram: o Prémio Literário António Jacinto, para novos autores; o Prémio Literário Sagrada Esperança, para autores já conhecidos, tendo para ambos conseguido negociar os patrocínios, dos Bancos BPC e Totta de Angola, naquela altura Banco Totta e Açores; criei o Prémio Mário Pinto de Andrade de Ensaio, que teve apenas duas convocatórias; o Prémio 16 de Junho, para obras Infanto-Juvenis. Foi nessa altura que todos os Prémios foram dotados dos respectivos regulamentos.
E também implementou alguns projectos públicos?
Sim, tais como “ O Livro na Praia”,“Bibliotecas Juvenis de Turma”, liderado pelo escritor José Luís Mendonça, entre outros. Em 1999, antevendo a minha saída do INALD, criei a Editorial Nzila, em
parceria com a Editorial Caminho de Lisboa. Deixei essa editora em 2009, com uma produção de mais de 300
títulos, em 10 anos de trabalho.
Em 2010, mais concretamente em Março, deu corpo ao um novo projecto editorial, a Mayamba Editora. A que se deve este nome?
Foi em homenagem à minha avó materna, que, na realidade, foi a responsável por tudo o que eu sou
hoje. Em três anos, a Mayamba já tem publicados mais de 120 títulos, da ficção à pesquisa e investigação científica. Interessa-me ajudar a publicar e promover o imaginário cultural de Angola e,
ao
mesmo tempo, ajudar a “criar a nossa ciência”, através da publicação de obras nas mais diversas áreas de pesquisa e investigação científica; das ciências sociais e humanas às ciências exactas e
da
natureza. Dou grande importância às obras infanto-juvenis, por ser aí onde radica o segredo para
a formação de mulheres e homens do futuro que amam verdadeiramente Angola, porque aprenderão
a conhecer desde cedo a distingui-la através dos seus cheiros, do seu bom ar, dos seus rios, das suas
montanhas, da sua fauna e da sua flora, o seu mar, das suas gentes com os seus costumes e hábitos e
falares diversos, ou seja, da sua multiculturalidade… Daí a colecção “Omõla-Umalehe”, que em
umbundo significa “criança e jovem”, que acolhe os livros infanto-juvenis.
“Uma editora é uma empresa. Guia-se pelas regras do mercado e requer uma gestão cuidadosa”
Na sua opinião, como está o mercado editorial angolano?
Está bom, com algum crescente vigor, consubstanciado no crescimento geométrico da população
estudantil, especialmente do Ensino Médio e Universitário. Em 2002, a única Universidade Pública – a
Universidade Agostinho Neto – tinha matriculado pouco mais de 13 mil estudantes. Hoje tem mais de 32
mil. Existem ainda mais 7 universidades públicas e mais de duas dezenas de privadas, com uma
população universitária que tende a ultrapassar as 200 mil pessoas.
Há razões, pois, para estarmos optimistas. Porque esse é o mercado. Que os hábitos de leitura ainda
sejam pouco desenvolvidos entre a população e, especialmente, entre a juventude, é um facto, mas isso é um processo que requer tempo, engajamento institucional (Estado, através da Escola) e da
família, que têm que ter presente que a leitura é a única garantia para uma verdadeira inclusão social. Ter,
hoje, bens materiais abundantes e dinheiro não representa nenhuma garantia duradoura para o futuro, mas saber ler, ter uma boa formação cultural e académica é, inquestionavelmente, uma garantia
de sobrevivência e de adaptabilidade a qualquer contexto, sobretudo nos contextos de crise.
Quais são as suas principais metas como editor da Mayamba?
Manter a Mayamba como uma editora de referência em Angola, pelo interesse temático das obras
que publica e pela qualidade estética das mesmas.
Quantos livros a editora publica por ano?
Entre 45 e 50 títulos, com uma tiragem média de 2.000 exemplares por título.
E perante o boom editorial, havia a esperança de que o mercado chegasse para todas as chancelas
ou havia consciência de que, a médio prazo, algumas ficariam pelo caminho?
Uma editora é uma empresa. Guia-se pelas regras do mercado e requer uma gestão cuidadosa. E como o negócio do livro não é um negócio qualquer, portanto, não comparável com o negócio da bebida alcoólica e da alimentação, então requer ainda mais atenção. É o chamado negócios dos bens simbólicos, tão estratégicos que, subtilmente, incidem e condicionam o perfil e a visão das pessoas em todas as sociedades.
Como vê o futuro do livro em papel num mundo tomado de assalto pela revolução digital e pelo download pirata?
Não tenho receio nenhum quanto a isso. Ninguém vai à cama com o computador ou mesmo com o Ipad.
Bill Gates, o génio das novas tecnologias, afirmou uma vez que sempre que um texto ultrapasse as cinco páginas prefere imprimi-lo para o ler. Isso explica a perenidade do papel, a despeito das
eventuais ameaças de outros suportes de informação, absolutamente complementares, sobretudo numa sociedade como a nossa, com todos os problemas que ainda temos de resolver, tais como o da energia
eléctrica e da internet.
Como funciona o processo de selecção de títulos na editora?
Funciona em função dos temas, do interesse destes e da sua oportunidade quando se trata de obras de pesquisa e investigação científica; da história, do assunto, da forma e da literariedade do texto, quando se trata de obras de ficção poética ou narrativa.
Qual é o seu grau de autonomia na definição da política editorial, enquanto director?
Tenho uma Mesa de Leitura, mas a decisão final é minha! Sou o Director geral e sou o Director Literário da Mayamba, ou seja, aquele que decide o que se publica e quando, assim como o que não se publica. As regras sobre como publicar na Mayamba estão escritas e são dadas a conhecer previamente a todos os que me contactam para publicar um livro.
Fonte: Agora
(*) Nota do bolg: Arlindo Isabel é natural da Comuna do Nsoso, município da damba-