Por Patrício Cipriano Mampuya Batsikama
I.3. Kôngo-Nyaneka
I.3.1.O País das Origens
Na oralidade, os Nyaneka pensam que são donos das localidades que ainda ocupam. Mas, revogam o país das origens como uma região deserta, porém cheia das nascentes. A seguir, enumeramos certas palavras que indicam o país das origens.
EIKO, IKO ou EKALA significa lar, origem materna, família da mãe, mas, também, FOGuEIRA. (Como podemos observar, a mesma palavra que significa ORIGEM, também está ligada ao FOGO, CALOR e FAMílIA.) OMANtHIYA136 quer dizer lAR ou lAR FAMIlIAR onde o fogo aceso durante a noite reúne todos. também designa “as pedras de suporte para as panelas”137. O lar ou lugar onde o fogo reunificado é aceso chama-se OMANtHIYA e fogo em si é EIKO ou IKO, ou seja, EKALA. Curiosamente, tîya, raiz da palavra nyaneka, significa quente em Kikôngo. Desta vez, uma mesma palavra liga as-três-pedras-suportes-das-panelas e a família.
EHOKO (IKO), EKANGElA (N-gângela) e EtuNDA são palavras diferentes que significam deserto, aldeia-não-habitada, terra abandonada e até uma montanha (ekolo). Digamos que um outro sentido da montanha é reduzidamente a pedra-suporte-das-panelas. No sentido da montanha, cujo OMPHuNDA é sinónimo, existe várias lendas de origem. Deste modo, reza a tradição que a vida iniciou entre três montanhas, assim como a comida começa, antes de mais, entre as três pedras-suportes. um entre milhares provérbios lembra-lhes isso: “enanthiya like kalinthiki mbiya”, ou seja, uma só pedra (montanha) não pode sustentar a panela. Os Kôngo dizem: «makukwa matatu malamb’e Kôngo». O País do Kôngo foi fundado pelas três pedras – suportes da panela. Nesse provérbio, a palavra enanthiya significa, entre outros, família e montanha-pedra suporte. Como será explicitado mais à frente, makukwa corresponde a enanthiya. De outro modo, partindo desse provérbio, nota-se de que os Nyaneka parecem acreditar que a sua sociedade fundamenta-se em três famílias ou três linhas principais onde o povo se identifica como cidadão.
OKAAYA designa a terra sagrada, argila branca para unção ritual. A lenda diz que a argila branca é símbolo dos ancestrais. Onde encontrar? Pergunta uma adivinha. «Depois do fogo se apagar», responde a sabedoria ancestral. Ou outra resposta, mas vulgar: a terra branca foi-se com o vento, (Okaaya kaya n’ofela) quando a adivinha é: onde vivem os bisavôs já ninguém consegue ir para lá viver. Porquê?
OUTUNDILO significa nascente do sol (na linguagem corrente, o sol é ekumbi ou etango). A palavra deriva de tunda, ou seja, aparecer unicamente para o sol. Outro sentido é de DESERtO, ou uMA ALDEIA INABITADA, mas que já terá sido habitada anteriormente. A palavra tem a mesma raiz que MONtE (OMPHUNDA). Em resumo, a concepção bantu estipula que a família é origem de toda a sociedade. Ora, as palavras aqui usadas são EIKO, IKO, EKAlA. Isto é Kola dos Kôngo ou Iko(la) Côkwe. Neste último grupo, otji-lundu138 (também é umbundu) significa uma aldeia abandonada há muito tempo. Como referência, citamos EtUNDA (outundilo: nascente do sol) que em Nyaneka-Nkumbe significa a mesma coisa.
A Base de elevação de terreno chama-se EKOLO. A Causa, “foi por causa dele” OKOMBANDA yae, dizem os Nyaneka, isto é, OMBANDA significa causa, sinónimo de base. também se utiliza o verbo k’ombanda como FuNDAR. Na verdade, OMBANDA, tendo estes sentidos, significa a mesma coisa que MAYANDA dos Kôngo. (O bilabial ma + o velar ya produzem geralmente MBA). Se bem que mbânda significa CIMA (homem que vem do céu e a crença dos Nyaneka). Pelo menos, temos um testemunho de que a causa ou a base da sociedade não foi apenas EKOlO, mas também OMBANDA que, em Kikôngo, teria mayânda como variante ou metamorfose morfológica. Ambos os termos significam origem.
Assim, nesta amálgama de Iko (Côkwe), Mbângala ou Kôla (Kôngo), Ekangela (Nyaneka-Nkumbe) para significar DESERtO, a semântica extensa revela que o lar primitivo (IKO) está ligado ao clima ou à região árida. Mbângala (kúna Mbângala dizem os Kôngo para indicar há muito tempo), que intervém nas expressões, além de significar clima caracterizado pela ausência das chuvas, confirma que EKANGElA e Nyaneka-Nkumbe designam as ORIGENS.
Onde estaria localizado este país das origens? Os Nyaneka e os Nkumbe localizam-se nessa região chamada MBÂNGAlA pelos antigos etnógrafos (ver Delachaux). é um deserto um pouco húmido. Portanto, mais ao Sul temos a continuação do Kalahari e Nyaneka-Nkúmbe que, segundo quase todos etnógrafos desde Estermann, Westernam e Baumann, os primeiros ancestrais vêm do actual ONDIVA. A tradição é tal que esta região é caracterizada pelas fontes ou nascentes dos rios. é verdade que ONDYIVI-NDYIVI significa fonte, nascente de água, ou melhor, terreno restrito, onde rebenta facilmente e, por isso, geralmente cheio de poços. Nesta região do Sul de Angola, inclusive o Norte da Namíbia, Botswana e Sudeste de Zâmbia, encontramos muitos poços e fontes de água. E lá temos um clima desértico húmido. Eis alguns poços e fontes de água que podemos encontrar: Kushi, Kwebe, Kwîtu, Kwându, Kwânza, Huvala, Quembo, lomba, utembo, luengue, liana, Mussuma, lwanguinga, Keve, Kwîlu, Okavângu, Yambesi, Cunene, entre outros. A semântica de alguns desses rios indica a formação do país, tais como Kwîtu, Kwându, lomba, lwanguinga, Okavângu, Yambesi.
Virgílio Coelho, ao estudar os elementos da língua a respeito das origens Kimbùndu, afirma junto aos repertórios orais que, pelo me- nos, uma palavra serviu para designar o povo inteiro pela primeira vez. Este termo traduz-se por AMIZADE, PARENTE e ADERENTE. Esta é a opinião dos lunda (Côkwe) na opinião de Vansina. Vamos tentar explorar a correspondência linguística Nyaneka e Kôngo com objectivo de tentar interpretar esta ideia no entender dos Kôngo/Nyaneka.
Amizade, em Nyaneka, traduz-se por Oupangi. No entanto, de- riva do verbo pangiya, ou seja, fabricar, criar, construir, formar algo, família (casa) e tem a mesma raiz que lwânguinga e Okavângu. Aliás, parente, em Nyaneka, diz-se OMBuNGA ou ainda wotyikumba. Ombunga vem do verbo hungu, tunga, lunga, isto é, fabricar, criar, formar, modelar. É curioso ver que conquistar se traduz também por sokola, além de punda e hakana. Ora, sokola, kolesa, kolisa ou, simplesmente, kola significa criar, fabricar, fazer, formar e construir, sinónimos de pangiya e ombûnga.
«Tumbunga»: somos parentes, dizem os Nyaneka. A filologia informa-nos de que esse facto de ser parente resulta eventualmente dos pactos de casamento, isto é, «fabricar ou formar uma família». O caso não é diferente nos Kôngo. Mpângi quer dizer amigo ou irmão e deriva do verbo vânga, que significa criar, fabricar, formar, etc. Eis o porquê se adoptou logo Kôngo como nome de país. Porque significa unidos, juntos e deriva do verbo kônga ou kôngesa, ou seja, juntar, unir, pôr junto, misturar, fazer círculo e inclinar. é sinónimo de kolesa (kola) que significa cercar, inclinar, formar um círculo, construir, fazer uma barragem ou círculo. Aliás, kôngola, em Nyaneka, sinónimo de toteka, designa juntar e unir muitas pessoas. Como veremos mais tarde relativamente aos Monarcas do Kôngo, o título de NtÔtElA evoca que o rei deve preservar a união, sendo, deste modo, a pessoa que simboliza a união do povo.
As palavras parecem dizer mais. Panga(na), em Nyaneka, tra- duz-se por «ficar MUITO TEMPO, UM TEMPO CONSIDERÁVEL». Isto é equivalente a «Kuna Mbângala» nos Kôngo. OUMPANGI afirma que AMIZADE terá sido o resultado de muito tempo de convivência das populações que se teriam finalmente juntado. Desta maneira, torna-se difícil acreditar num simples acaso, sobretudo quando a expressão «nos tempos antigos» se diz, em Nyaneka, kohale-ale ou, simplesmente, kohale ou kola. Kola, designa, como já vimos atrás, o país de origens, tanto nos Kôngo, como nos Côkwe e Nyaneka. Essa correspondência ensina que a AMIZADE foi a base dasnovas sociedades que se criaram depois das conquistas. Eis o porquê de a AMIZADE e PARENtE terem as mesmas raízes que FABRICAR (a sociedade), JuNtAR (as pessoas), MIStuRAR (diferentes povos) ou MuItO tEMPO. De igual modo, encontramos rios com nome semelhante, como por exemplo Okahangulu (Okavangu), lwangingua,Yambêsi, Kwuito, Kwilu, Kuhandu (Kwându)143. Semanticamente, esses rios, citados precedentemente, são testemunhos das origens, ou melhor, das amizades criadas. Adágio afirma que «as árvores indicam as proveniências e os rios lembram-nos das nossas infâncias (origem?)».
Embondeiro e figueira foram algumas das árvores que, depois de fundar uma região, tiveram de ser plantadas a fim de testemunhar a amizade como origem comum dos fundadores. Os rios, portanto, pelo facto de fornecer água para beber, banhar, pescar, cultivar e outros trabalhos domiciliares de primeira necessidade, são muito especiais.
Por essa simples razão, lendas e mitos das origens não se esquecem de mencionar nomes de rios. Isto porque os mesmos rios que marcaram as primeiras sociedades foram, neste caso, imortalizados ou antropo-morfizados (personificados) através de canções de ritos, de pesca, de agricultura, da infância, etc.
Falando das características deste país, notamos que a palavra CRIAçÃO, em Nyaneka, traduz-se, também, por EPOMBO, EHOMBO. A mesma palavra ou, melhor ainda, ONDOMBO, designa em geral «os dias de calor antes da chuva». Na verdade, é curioso notar que, além de NDYIVI-NDYIVI (Ondyiva), os Nyaneka têm outro termo que designa estes «poços de água geralmente com NASCENTE», isto é, cacimba: ONYOMBO. Ora, como iremos ver, CASAR (ou casamento) é, na nossa humilde opinião, uma das palavras mais adequadas para explicar as primeiras fundações dos países144. Em princípio, a família é o núcleo da sociedade. Deste modo, na concepção dos Nyaneka, Kimbûndu, umbûndu, Côkwe e dos Kôngo, esta família começa pelo acto de CASAR, isto é, juntar duas pessoas diferentes, misturar duas famílias. Eis a razão pela qual o casamento é um assunto não de duas pessoas, mas um engajamento de toda a sociedade. CASAR diz-se HOMBOlA, tendo a mesma raiz que a palavra que significa «POçO DE ÁGuA geralmente com NASCENTE» e «Dias de CAlOR antes da chuva». também caracteriza a actividade das origens a palavra caçar = yômbela, em Nyaneka e, curiosamente, diz-se kônga em kikôngo.
Extrato do livro: " As origens do Reino do Kongo " editado por:
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