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14 Aug

AS ORIGENS DO REINO DO KONGO (1)

Publicado por Muana Damba  - Etiquetas:  #História do Reino do Kongo

 

 

Por Patrício Cipriano Mampuya Batsikama

 

Batsikama

 

 

PREFÁCIO

 

Na História do Reino do Kôngo, o capítulo das ORIGENS divide os especialistas. Durante vários séculos esse povo não cessou de emigrar dentro do seu espaço já conquistado, e um pouco fora deste para novas conquistas. De modo que, ao se falar hoje de suas origens, muitos elementos confundem-se nos vários relatos, como por exemplo as origens antiga e recente; os pontos de partida (confundem-se espaçonalmente pela repetição dos mesmos topónimos e pela “confusão” dos títulos similares atribuídos às autoridades); as dificuldades cronológicas relacionadas com a falta de metrificação prolongada e registada do tempo, etc. Em todas estas matérias, e por causa delas ainda permanece, apesar de muitos estudos já realizados, um acórdão sem conclusões definitivas.


Reconhecemos primeiro que o tema de “As Origens do reino do Kôngo” impõe sérias limitações, mas também selectividade, relacionadas com uma variedade de fontes à disposição do estudioso. Há ainda o carácter diferenciado com que o tema aparece tratado nas diversas ciências que incidem sobre este tipo de estudo (história, antropologia, etnografia, linguística…), através de metodologias e hipóteses variáveis no tempo e no espaço. Por estas razões, escolhemos tratar do assunto numa perspectiva progressiva dos estudos realizados, começando pela tradição Oral. Voltar-se-á ao tema num segundo volume para dialogar com as tradições e com os registos mais antigos, devidamente cruzadas com as fontes antropológicas já publicadas ou inéditas. Nas fontes escritas (Volume 2) serão compulsadas e analisadas obras de Rui Pina (1491), Barros (1552) e Pigafetta (1591); Mateus Cardoso (1624), Dapper (1668), Cadornega8 (1680-1683) e António Cavazzi9 (1687); Lucca Da Caltanisetta (1705), Bernardo da Gallo (1706), Lorenzo da Lucca (1717), Frei Rafael de Castelo de Vide (1782), entre outros. Partiremos de Van Wing e Cuvelier para remontar até os demais, o que irá nos permitir compreender a postura de autores modernos e mais recentes, como Anne Hilton, R. Batsîkama, John thornton, Jan Vansina, Fukiawu Kia Bunseki, Wyatt MacGaffey, etc.

 

Um terceiro volume será dedicado à discussão metodológica que consagrou os nossos estudos, com a análise das principais obras examinadas por meio de resenhas que tratarão de aprofundar e actualizar o tema das origens do imponente antigo Reino do Kôngo. Por muito tempo dedicamos toda a nossa energia à recolha rigorosa de tudo que já foi publicado acerca do Kôngo, em geral, e particularmente acerca das origens desse reino.

 

Por muitas razões que explicamos neste volume, utilizamos como referencial teórico principal nesta parte o Bispo católico de origem belga Jean Cuvelier, um dos maiores colectores ocidentais das tradições do Kôngo nas primeiras três décadas do século XX. Seu indispensável e abrangente trabalho intitulado Nkutama mvila za makanda mu nsi’a Kôngo, é até hoje uma importante contribuição no conhecimento das tradições antigas do Reino do Kongo. Ao longo do nosso trabalho de recolha de tradições notamos o quanto a sua obra é importante:(1) a apresentação que faz sobre as linhagens é protótipo (em termos da estrutura) das principais linhagens (zimvila) existentes no espaço Kôngo; (2) sua recolha é rigorosa pelo respeito e espaço que dá aos idiomas de cada linhagem (luvila), ressaltando os importantes aspectos ligados a retórica, a prosódia, etc. dessas línguas; (3) os relatos, embora visivelmente misturados (o velho e o recente), são bem instrumentalizados na perspectiva do método paremiológico sem perder a sua estrutura normal e data, antes mesmo do alerta de Luc de Heusch sobre as transformações rápidas que caracterizam os costumes. Na recolha de Cuvelier anexamos outros provérbios, mas sobretudo outras tradições recolhidas por nós em 1993 (Mbânza Mateke/Luwôzi), e mais tarde em 1994 (Matadi, Cabinda), na véspera da redacção de um trabalho de fim do curso; em 1998 (Mbânza-Kôngo, Kinsîmba, Kwîmba, Nzeto, Ndamba, Kibokolo), alguns anos depois de já apresentado publicamente o referido trabalho, demos início a uma nova fase de recolhas que nos permitiu descobrir a existência de alguns zimvila não mencionados pelo padre Jean Cuvelier. Entre Julho e Outubro de 2003, durante curtas estadias nas províncias de Benguela, Huambo e Kunene, confrontamos algumas tradições Kôngo com as tradições locais (Umbûndu e Kwanyâma). Ainda em 2003, e posteriormente em 2005, realizamos viagens sistemáticas para recolhas nas regiões de Kwîmba, Nzeto e Funda. Na incursão de 2003/2005 registamos várias narrativas que já não eram rigorosamente retóricas, com projecções de idiomaticidade e a quase ausência da composicionalidade que, normalmente, fazem a estrutura da tradição Oral.


É de salientar, de modo igual, a constatação de construções condicionais subjectivas que aparentam ser apenas directivas, e não assertivas (como ocorre fundamentalmente na tradição Oral).


Algumas das linhagens recolhidas, que preferimos não analisar aqui por não oferecerem substancialmente muita coisa sobre “As origens do Kôngo”, são as seguintes: Kindômbe ou Ndombe Zowa, que pela Oralitura seria a Ndumbu Kin(a)zawu de Cuvelier; “Kyâmvu Kyângala, Nzîla yo tukwêndanga ye tuvûtukânga: Bakwênda bavutuka, Bavukukidi bakwenda”; Ki-Nzaki; Ki-moya; Kimalômba kya Mowa; Ki-ndomin- gyêdi; Mpâng’a Sadi (Mpânga Mvângi); Nza ya Mwâdi; Meno ma Nkosi; Nkosi’a Ngôyo; Mpângi za Mpûngi; Lubamb’a Ndoki (Lubâmba nsing’a ndôki ou ainda nzete ntunta: Ndamba/uige), etc. Muitas das frases relacionadas com estes provérbios podem ser encontradas nos relatos de Cuvelier, embora se verifique ausência de retórica, intercalação de termos dos idiomas português e francês, e as vezes mesmo inglês (mbodi por exemplo é body, no entender do relato da linhagem Kisevo kya Zombo: Bateka bima, Kabatekele mbodi ko, como diz-nos Louison Luvwezo de Kisoba-Nânga. Aqui é fácil reconhecermos a expressão dos Bazômbo, segundo a qual vendem tudo, desde as mercadorias até o seu corpo, o termo corpo aqui remetendo ao body em inglês, que é então kizombizado para mbodi.


Na verdade, mbodi poderia designar também o alumínio. Em princípio, esses zimvila são incompletos desde a sua designação até o relato, facto que legitima as observações de Jan Vansina. De um modo igual, algumas pessoas passavam da explicação dos seus nomes pessoais por nomes de linhagens, como nos seguintes exemplos: “Mono Matôndo, Miñkayilu mya mabûndu dya Sê (dyêto Nzâmbi’a) Mpûngu” (Sou Matôndo, [que significa] as ofertas da casa de Deus). Curioso aqui é o facto de o termo Nzâmbi cair e ficar apenas “Sê Mpûngu” por estar relacionado com nome próprio (coisa muito comum nos relatos com observação das regras da retórica ou prosódia). Será que trata-se aqui de não profanar o nome de Nzâmbi (Deus), tal como proibia a tradição javista do Antigo Testamento, ou como nos confirma Ñlându Kisema, “desde os nossos ancestrais, respeitamos os preceitos (nsiku) de Deus”24? temos ainda, “Mono Nsâmbu ye Menga, Nkangi Kiditu ovuluz’e Nza mu nkîndu ya Balundu”25. (Sou a Bênção e o Sangue que salvaram o mundo nos conflitos dos Balûndu). A falta de idiomatismo, isto é, a ausência da retórica kikôngo, e a ocorrência de um kikôngo misturado e as vezes não pertencendo ao “sotaque” da região em questão, etc., são entre outros aspectos algo que conseguimos notar aí. Por outro lado, esta linhagem (Mvêmba ye Mênga) nos parece ser uma ramificação de Mvêmb’a Nzînga, porque insensivelmente comenta a luta cuja vitória conduziu Dom Afonso I ao trono. De modo geral, são zimvila (linhagens) incompletas, razão pela qual preferimos proceder nas comparações com outros relatos de Cuvelier (sobretudo), Van Wing e de De Munck.


O percurso dessas recolhas permitiu-nos compreender os constituintes intrínsecos da tradição Oral que devem obedecer a sua instrumentalização. Isto é, as fórmulas sintácticas, a prótase e as orações prosódicas; o sujeito oracional impessoal, as relações semânticas e sintácticas... são factores condicionais canónicos da “compreensão” primeira do “relato”.

 

É bem verdade que poucos autores aventuram a concentrar-se no capítulo das “Origens” por causa dos impasses relacionados com a Tradição oral, que ainda continua a ser a principal fonte para o estudo desse e de outros temas da história antiga dos povos da África, e não só. Conforme Joseph Ki-Zerbo reconhece – na Histoire de l’Afrique Noire – a tradição oral, por ter sofrido austeras vicissitudes e alterações diligenciadas, não convence a grande parte dos cientistas mais cépticos, principalmente por-
que a Era tecnológica e radicalista na qual actualmente se vive contagiou também as ciências. E isto tende a ocorrer sempre porque a «ciência» se autodefine como conhecimento exacto das coisas bem determinadas. Ora, a Tradição oral escapa duas vezes a esta definição: 1) não é bem determinada; 2) e, por conseguinte, não pode ser conhecimento exacto.

 

 

Obs: Por tratar-se de uma obra literária histórica rica em notas explicativas e referenciais, que acompanha o texto e por razões de comodidade, renunciamos reeditâ-las neste portal.  No entanto, aconselhamos os nossos visitantes, a adquirir o livro completo, publicado em volumes, na:

Mayamba Editora
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