A segunda província do Reino do Kongo: KÔNGO dya MULAZA
Por Patrício Cipriano Mampuya Batsikama
Esta província ocupa, de acordo com a pesquisa histórica, as partes leste e Nordeste da coroa. Começa sem fronteira com Kôngo-dya-Mpângala ao Sul, e além do país de lagoa Mayindombe ao Norte, e repartido quase meio a meio entre Angola e Congo-Kinsâsa do mapa actual.
No entanto, Henrique de Carvalho fornece-nos uma lista de populações que, de acordo com as delimitações que propusemos para o Kôngo dya Mbãngala e Kôngo dya Mulaza, parece abarcar
as duas províncias do reino do Kôngo. Citando Isabel Henrique, Henrique de Carvalho escreveu em 1898:
“os povos conhecidos hoje por Cassanges (Bângalas), Bongos, Songo, Quicos, Xinges, Lundas (sujeitos ao Muatiânvua formando diversos estados), Cazembes, e os que entre estes tomaram outros
nomes como Minungos, Macossas, Maluênas, Cangombes, Lubas, Tucongo, Tubindis ou Tubingi, Cassongos (de Muene Puto) e Peinde, com excepções dos três primeiros todos para além do rio Cuango, a que
os antigos escritores até os princípios deste séculos chamavam Moluas, e antes Jingas, Holo e Iongos, etc. Todos eles eram da mesma
família (…)”.
Antes de aludirmos as unidades que possivelmente apresentam subsídios antropológicos e históricos substanciais na constituição dos três principais municípios de Kôngo dya Mulaza, procedemos a uma rápida revisão sobre o que nos diz Henriques de Carvalho. Os bângalas, que ele menciona, localizam-se no espaço banhado pelos rios Kwângu e Kwîlu, e o facto das próprias populações até hoje manterem esta designação (bângala) indicaria fundamentalmente a sua origem meridional. O mesmo acontece com Cangômbe, Pende, Tucongo, Tubindi (que são diferentes de Tubingi) e Yingi. Existem famílias Ngômbe, Hênde, Hôngo e Yîndi entre os umbûndu em geral e, em particular, entre os Kwânyama (Hindi), os Nkûmbi (Hômbe).
Os Yîndi, que se querem também bînga, são localizáveis entre as famílias Khoisan de Kawûndu (!Kaund),144 presentes até no território da botswana. Já na Namíbia encontram-se os Tsînga,
podendo o facto ser uma das suas sequelas.
Todas essas populações constituíram uma mesma família, isto é, os Jinga, os Holo e os Iongo.145 Curioso é que, para além de Jinga, muito tratados por vários autores, chama-nos particularmente
atenção os Hôlo e Iôngo referidos por Jean Cuvelier. Tal como passaremos a demonstrar, Hôlo é variante de Kôla, ou ainda de Kikôlo. Já quanto a Iôngo são dignas de nota duas versões fornecidas
pelos nossos informantes, não obstante já referidas por outros autores antigos de forma quase despercebida.
(1) Iôngo ou Hôngo era o caçador, referido nas versões mencionadas, como o Herói civilizador, como aquele que resolveu a disputa e, consequentemente, reagrupou as populações. Este aspecto parece combinar com o sentido daquela montanha onde Kônde resolveu a disputa dos seus netos (Yôngo), assim como a unificação do próprio povo (Hôngo).
(2) Hôngo, os Tucongo no reino Kuba, compreendiam também os Ndôngo ou ainda os Inongo que Carvalho menciona como um grupo (os Iôngos). Nesta perspectiva, Iongo parece afiliar-se mais a Inôngo e
Ndôngo do que Kôngo, como sustentamos no ponto precedente; isto é, seria fácil compreender a queda da consoante d no In(d)ongo do que a queda de n e d (nd) ao mesmo tempo. Embora não tenhamos
como precisar a raiz da palavra, podemos no entanto acreditar, em nome desse princípio elementar da linguística, que Iôngo seja antes uma variante de Inôngo (do ponto de vista morfológico). Ora,
do ponto de vista semiesférico e toponímico/semântico, parece que Ndôngo, que
pode ser Indôngo (Kindôngo), signifique montanha real, o que (se assim for) afiliaria-se a Kôngo, que também significou (numa altura da sua evolução) montanha real. Nesse caso faria bastante
sentido
que se designe as populações do centro administrativo de Kakôngo, tal como mostraremos adiante.
(3) Iôngo pode também derivar de Kariongo, tal como mais adiante veremos. Esta expressão indica o centro populacional, ou aximundi, onde concentram-se as instituições públicas do “país”.
Neste
aspecto, aproxima-se daquilo que Virgílio Coelho observou entre os Ambûndu relativamente a ndôngo, isto é, ora como cidade real/central (concentração populacional), ora como o país dos Ambûndu.
Assim, quer Jînga, Hôlo ou Iôngo, todos estes topónimos/ etnónimos contêm uma unidade semântica que reenvia, como já vimos (e sobretudo, tal como Raphaël batsîkama o fez audaciosamente em 1970),
à diversidade duma mesma família nas origens.
Muito provavelmente é esta a razão porque os diversos comerciantes ou exploradores dessa região ainda registarão nomes como Jînga, Mbângala, Kôla, entre outros.
Extratos do livro: A ORIGEM MERIDIONAL DO REINO DO KONGO.