A organizaçâo da administração do Reino do Kongo
Por Patrício Cipriano Mampuya Batsikama
Resumo.
Tal terá sido o Kôngo na sua majestosa e bem ordenada tripartição, admirada pelos primeiros europeus que lá se instalaram pela primeira vez como “grandiosa organização”.
A dimensão de Kôngo-dya-Mbângala, de Kôngo-dya-Mulaza e de Kôngo-dya-Mpânzu não nos parece corresponder a províncias por duas razões fundamentais: (i) partindo do pressuposto de que
município constitui administrativamente um “pequeno país”, parece-nos que o Mani de cada região assumia em pleno direito o poder de um soberano. Em relação ao Zita-dya-Nza, espaço geralmente
atribuído ao reino do Kôngo, parece-nos tributário do Estado central, não porque os poderes são ai concentrados, mas sim porque os outros Estados reconhecem a sua “pertença política” e a
supremacia de Ntôtil’a Kôngo sobre ela; (ii) a forma da eleição – que exigia que o candidato seja oriundo de outros
Estados e jamais de Zita-dya-Nza – faz-nos perceber uma dupla forma politico-administrativa: (1) o reino do Kôngo pertenceria aos “estrangeiros” (talvez a semântica de Ntînu o certifique); (2) o
reconhecimento jurídico de Mbângala, Mulaza e Mpânzu como Estados federativos de Zita-dya-Nza, que, tal como o observou Cavazzi, “permaneceram unidas até a chegada dos Portugueses”.
Nós vamos mais além dizendo, com base nos dados fornecidos por Cavazzi, testemunha ocular na sua época,222 que os três Mani Estatais/Federais continuaram a reconhecer a autoridade de Mani
Kôngo apesar das intrigas lusitanas,223 e a receber do mesmo a confirmação da investidura a cada mudança de titular.224 Assim sendo, concluimos que a estrutura territorial do reino do Kôngo
apresentada por Pigafetta ao mundo, com base nos relatos de Duarte lopez, não corresponderia a realidade. Aliás, este Nsôyo, Mbata ou ainda este Mpângu que ele considera como províncias, são
simples colectividades locais. Razão pela qual o geógrafo recorreu à fantasia (“maravilhosa, fantástica”) para delimitar as fronteiras, falando de Morros de Vermelhas, no que tantos “disseram-me”
ou “ouvi-dizer”.
Estes Morros, ora queimados, ora do Sol226, ou ainda de Salpêtre, estas margens do Nilo ( ?), ou estas Pedras Vermelhas que delimitam, fazem compreender a que ponto lopez estaria longe de descrever com menos lacunas este grandioso reino do Kôngo, e por sua vez o grande geógrafo Pigafetta teria dado a este reino todas as cores da cosmologia da época.
Contudo, pode-se compreender e até desculpar os erros de Pigafetta, sob certo ponto de vista. No momento em que ele teria começado a recolher os dados (de lopez) para escrever a Relatione
(1588), aparentemente já estaria bem avançado o plano de desmembramento de Kôngo levado a cabo por Portugal, por um lado. Por outro, a escravatura já rendia mais com 1) a conquista de Paulo
Dias
de Novais (1575), instaurando-se o modelo de impostos pagos com escravos; 2) com as intrigas fomentadas no reino, como se fez desde Dom Afonso I em 1503/1506 que, depois de ser preso, terá
triunfado na conquista do trono ao disputar com Mpãnzu’a Kitinu. Mais tarde, ainda como monarca, escreve ao Papa que os Padres que se encontravam a evangelizar o Kôngo eram mais cruéis do que os
Judeus que crucificaram Jesus; 3) com razia, pois Relatione terá obedecido a uma ordem que convergia na novas aspirações de Portugal perante a Ethiopea Ocidental (Cavazzi).
Mesmo assim, a quase maioria dos especialistas sobre o reino do Kôngo ainda hoje limita-se a seguir as descrições avançadas por Pigafetta no seu Relatione, o que cria certamente sérios
constrangimentos para o avanço da ciência sobre esse importante marco da história de Angola. Novas recolhas são cada vez mais uma necessidade, sobretudo que permitam avançar no estudo das
populações vizinhas dos limites estabelecidos por lopez e Pigafetta – o que contribuiria para dimensionar a incontornável posição fundamental do reino do Kôngo no todo geográfico da nossa
história.
Extratos do livro: A ORIGEM MERIDIONAL DO REINO DO KONGO