A legenda do homem-leopardo (N'Kintuki) na Damba.

O presente texto,foi extraído do livro intitulado "Do meu bornal das recordações" da autoria do Dr Manuel Alfredo de Morais Martins.Antigo funcionário da Administração ultramarina portuguesa em Angola,foi Administrador municipal da Damba entre 1945 e 1953.Textemunha ocular de usos e costumes dos naturais da Damba naquele tempo.Os factos narrados pelo Dr Martins,são de conhecimento dos actuais dambianos,pela tradição oral,transmitida de geração em geração.A legenda do N´kintuki,que significa em língua Kikongo,homens que se transfomam em animais,por meio de feitiço,continua no dia de hoje despertar a curiosidade de muitos.Por ter um caracter insólito,publicamos o texto,em colaboração com o Sr João Garcia"Mona Quitexe" ,o primeiro entre muitos,que reeditaremos aqui, no site da Damba.

Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS.

Os casos que maiores dificuldades me traziam eram os ligados à alegada intervenção de feitiços,mas deter-me-ei apenas na descrição de alguns ,em que era apontada a transformação dos culpados em animais.

O mais importantes deles,dado o número de vítimas envolvidos,ocorreu no Sobado de Macoxambua ,no posto de 31 de Janeiro.

Com poucos dias de intervalo,o soba respectivo foi noticiar no chefe do posto o aparecimento de restos de cadáveres de mulheres que,nas suas lavras,tinham sido assaltadas por algum inimigo que,possuidor de poderes de "ndoki",operara transfomado em leopardo.

Toda a população da região entrou em pânico.Eu sabia da existência, em várias zonas de África,de seitas de homens- leopardos que se cobriam com pele daqueles felinos,e usavam utensílios com aceradas pontas,que simulava ao ser utilizado,a acção de garras.

Como nunca lera ou ouvira qualquer referência à acção desta natureza em todo Norte de Angola,inclinei-me para presença de algum leopardo idoso e já sem o vigor que lhe permitisse a perseguição e abate de antílopes ou outros animais,que constituem as suas vítimas preferidas,e se transfomara em comedores de seres humanos.Determinei por isso,ao chefe do posto,que organizasse batidas na região na tentativas de se encontrar e abater o causador das mortes.

Com centenas de homens a bater campizais e matas,algumas dezenas de caçadores, e alguns cipaios postados em portas bem localizadas,várias batidas se efectuaram,e na última foi descoberto um leopardo,que fugindo aos batedores,se encaminhou para a zona em que estavam colocados os caçadorese ali foi abatido.Verificou-se que se tratava um macho decrépito,que apenas atacava mulheres indefesas para saciar a fome.

Ao princípio alegaram que tinha sido abatido um feiticeiro,que não tinha tempo de se livrar do disfarce,mas depois lá se conveceram de que era mesmo um leopardo,pois não se dera falta de nenhum homem em toda a área de Macoxambua e dos sobados visinhos.

De uma outra vez,foi o meu próprio lavadeiro,o Finda,que me apresentou queixa contra alguêm não identificado que,transformado em leopaardo,tinha assaltado o seu pequeno curral e levado um cabrito.

Procurei fazer-lhe ver que teria sido mesmo um verdadeiro leopardo o assaltante e que já não era nenhum "matumbu"para acreditar naqueles feitiços.Imediatamente retorquiu que não podia haver qualquer dúvida;via-se no chão,em frente do curral,o rasto de um leopardo que metros à frente,se transformara em pegadas de  homem.

Quis fazer ver-lhe que era pura coincidência a sobreposição das pegadas humanas às do leopardo,mas nada o demoveu.Como não indicou nenhum suspeito,o caso ficou encerrado.

Esta crença na capacidade de seres humanosse transformarem em animais,está muito difundida em toda África e em outras parte do mundo,incluindo a Europa.Quanto a este continente basta a referir a crença na existência de lobisomes.

Existiam no Congo vários feitiços a que se atribuia a capacidade de propiciar esta metamorfose e um dos mais curiosos era o que se usava na práticas mágicas que entravam nas iniciação dos candidatos a "ndokis",indivídios malfazejos a que atráz fizemos referências.

Continua....

                                                                   Em colaboração com João Garcia.