A honra de votar pela primeira vez.
Por Muanamosi Matumona.

De novo no Uíge, terra natal, por motivos de vária de ordem, deparei-me com uma situação interessante que, numa altura própria, marcou fortemente as populações da cidade do bago vermelho.
Preparavam-se para viver uma nova era da história, depois daquele “sufoco” dos anos anteriores: decorriam os primeiros meses do ano de 2008, quando os partidos políticos se preparavam para
“atacar” a campanha eleitoral que estava a aproximar-se, criando muita expectativa a um povo que precisava de escolher os dirigentes que deveriam assegurar os destinos do país, numa era de paz. E
apenas naquele ano teria a oportunidade de voltar a votar, depois do adiamento do processo, forçado por razões técnicas.
Naquele período, notava-se que o ano 2008 seria mesmo o “ano das decisões”, ano em que o povo angolano deveria provar a sua maturidade política. Para os uigenses, era um grande desafio que
deveria corresponder às expectativas. De facto, o tempo era de promessas, de esperanças, e de muita euforia. Seguramente, os cidadãos que na altura estiveram presentes na cidade do bago vermelho
terão ficado com muita saudade dos acontecimentos vividos naquele feliz princípio do ano de 2008.
Pessoalmente, fiquei um pouco triste por ter deixado, na mesma altura,
a cidade do Uíge e o país, por razões pastorais. Roma era o destino, e passei eu a correr o risco de começar a considerar Itália como a minha “terceira Pátria”, depois, naturalmente, de Angola e
Portugal. Naquelas circunstâncias, tinha eu de perder mais uma vez a honra de votar pela primeira vez. Pois, aquando das primeiras eleições realizadas em 1992, também não pude exercer este
direito pelo facto de me encontrar em Portugal, por razões de estudos. Vontade de ir ao país a fim de votar não falou mais alto, pois, naquela época, como jovem estudante, Paris, cidade das
luzes, era um grande encanto e porta aberta para alguns “trabalhos de verão”, que rendiam muito para um pobre jovem universitário, que precisava de mais recursos financeiros para levar uma “vida
folgada” na terra de Camões.
Também naquele mesmo ano (1992), tudo era acompanhado por mim à distância: desde a visita da Sua Santidade Papa João Paulo II à Angola às eleições que foram declaradas oficialmente livres e
justas, passando pela renhida campanha eleitoral. O resultado deste “percurso” é sobejamente conhecido por todos, podendo-se destacar, infelizmente, o retorno à guerra, depois das eleições que
eram consideradas antes como vias necessárias para a implantação da democracia e para a “sentença” do fim de um regime monopartidário. Infelizmente, a guerra “ganhou a causa” e o sofrimento
passava de novo a fazer parte da vida do martirizado povo angolano.
Felizmente, o mesmo não aconteceu aquando das últimas eleições. O povo, seguramente, apreciou devidamente os programas dos partidos concorrentes, e, na base da maturidade adquirida, cada cidadão
votou de acordo com os seus “gostos”. E tudo acabou como tinha começado: harmonia, paz, alegria e vontade de continuar a trabalhar para o bem do povo até às próximas eleições, fixadas dentro de
dois anos. Para a projectada edição, apenas um imprevisto poderá impedir-me a cumprir a minha honrosa missão de votar, que é uma das formas de exercer o meu direito como cidadão angolano, direito
este de que eu nunca beneficiei, até agora. Sobre esta matéria, nota-se jà uma certa movimentação nos vários postos montados a partir da cidade capital da província até aos municípios. O povo
está a ser consciencializado e, felizmente, já aprendeu as boas lições de 2008, que foram muito diferentes das do ano de 1992.
Não tinha o nosso povo a ideia de que as eleições legislativas ou presidenciais tinham como lógica o retorno à guerra? Não pensava também que ir votar significava, em parte, pôr a vida de alguém
em perigo? Não apareceram muitos a manifestar a sua apreensão pelo futuro, depois das eleições? Também não se ouviram, ainda na mesma altura, vozes que se erguiam para pedir aos políticos o favor
de aceitar os resultados para evitar a triste experiência de 1992? Pessoalmente, vi e ouvi, nesta mesma terra do Uíge, cenas e gritos enquadrados nesta linha, e que mereceram até uma referência
peculiar neste mesmo espaço. Desta vez, vejo o povo do Uíge mergulhado num ambiente sereno, manifestando uma boa dose de esperanças em torno das próximas eleições, pois reconhecem nelas mais uma
oportunidade para exercer o seu direito de escolher, livre e responsavelmente, os seus governantes. O civismo parece um valor que vai nortear estas populações que merecem mais esclarecimentos
para que aumentem os seus conhecimentos sobre esta matéria.
Apreciando muito bem o patriotismo do humilde, mas responsável, dos habitantes da terra do café, tendo ainda o meu registo de 2008 em dia, e com o meu Cartão de Eleitor devidamente conservado, no
momento certo, farei questão de vir à cidade do bago vermelho, para votar. Seguramente, aquela altura será uma boa ocasião para rever os amigos, colegas e familiares, e também uma boa
oportunidade para saborear a comida e a bebida da terra natal... Todavia, o mais importante, para mim, será votar pela primeira vez, caso não haja qualquer imprevisto, como tem sido até agora.
Este gesto será apenas uma forma de manifestar, ardentemente, o meu patriotismo. Mais nada.
J.A