A Batalha da Damba.(1)
Por Sebastião Kupessa
Hoje completa-se 50 anos da batalha da Damba. No dia 17 de Abril de 1961, os nativos da região haviam atacado pela primeira vez, a sede do Concelho de Administração, convista expulsar os ocupantes portugueses, que ali se instalaram há décadas.
"A filha do Sr Nogueira casa no dia 15 de Março" foi a senha-ordem dada pelo Holdem Roberto para o início de hostilidades, que iria conduzir, a nação angolana à independência 14 anos depois. No dia marcado, o povo do noroeste angolano revoltou-se, em actos de rebeldia contra as autoridades colonial. Lojas incendiádas, algumas populações de origem europeia foram assassinadas de forma brutal e violenta, as imagens chocaram e abalaram os portugueses. Nambuangongo, Quitexe, Aldeia Viçosa, Luvaca, Buela, Madimba, Vista Alegre, Quimbunde, São Salvador, Kuimba, Lucunga, Mucaba ,etc, os colonos portugueses que habitavam nestas localidades e seus colaboradores, foram sacrificados como holocausto no altar da independência para Angola. Cenas de horror nunca imaginadas por parte dos europeus e de euforia por parte de africanos que desejavam Kimpuanza(1) em todo custo, dominaram os primeiros dias da revolta popular.
No meio desta ebulição do Congo angolano, Damba que faz parte do território sublevado, não revoltou-se nos primeiros dias, enquanto que os territórios visinhos estão a arder. A vila tornou-se mesmo um oásis de paz para muitos colonos da região persecutados pelos nacionalistas da UPA, onde encontraram refúgio. Portanto os dambenses, antes de 1945, mantinha relações conflituosas com os portugueses. Historiadores ligadas a esta região não compreendem porque os dambenses não cumpriram a ordem do Holden Roberto.
Em 1909, o soberano da Damba, o soba Namputu, o avô do actual embaixador na França, Miguel Costa, revoltou-se contra a presença dos portugueses, depois de humilhar em público um oficial superior do exército da ocupação, o Major Galhardo ( ver: FRAGMENTOS HISTÓRICOS DA DAMBA 13.) combateu os portugueses durante dois anos, antes de ser capturado e levado à Luanda, onde foi julgado e condenado pelo próprio Norton de Matos, o bem nomeado,"Calígula em Angola", antigo governador de Angola. Os seus sucessores, os sobas Nzawu a Mbakala, Mbyanda Ngunga e Nkama Ntambu, continuaram a revolta contra as autoridades da ocupação, situação que se manteu até a chegada a vila de um administrador com sentimentos mais humanos que os seus antecessores, Morais Martins, em 1945. Este inaugura o periodo da coexistêcia pacífica com os nativos, mantendo relações excelentes com o soba da Damba, o sábio Nakunzi (na imagem).
O mesmo Morais Martins dirá mais tarde comentendo a não reacção dos dambianos nos primeiros dias da revolta deveu-se "às actuações das autoridades administrativas que nesta circunscrição protegiam o direito dos indíginas, matendo relações com os sobas e restantes administrados". Carlos Álves, nos seus escritos, admira os mindambas por não ter participado nos actos de terrorismo e de barbariedade e eleva-os a um estatuto que os distingue dos outros povos, pois " Os dambianos têm história. Entre os grupos étnicos que habitam o antigo reino do Congo, eles distinguiram-se sempre dos demais, pela macieza dos seus costumes...eles seguiam já regras certas de vida morigerada, nos moldes duma civilização remota". Para Dr José Carlos de Oliveira que cita fontes da U.P. A, que Holden Roberto evitou atacar o eixo Maquela-Damba-Camabatela "por razões estratégicas". Certos historiadores Bakongos avançam a ideia que, Holden Roberto, evitou dar ordens para o ataque a vila da Damba, o facto esta região ser o bastião de outro movimento rival, o Partido Democrático Angolano, PDA, em que estava em negociações para uma possível fusão o que originou mais tarde a FNLA. Porque os seus dirigentes como Simão Kumpesa, Domingos Vatokele, André Massaki, Sanda Martins, Emmanuel Kunzika, etc.. eram nativos da região Makela-Damba.
Mesmo não se sentido ameaçada por parte de nacionalistas angolanos, a Administração do Concelho da Damba, tomou medidas de prevenção, evacuando por meio aéreo crianças, mulheres e velhos, deixando homens válidos, dispostos a defender a vila em caso do ataque. Saliéntamos que Damba tinha um guarnição militar de ocupação (o termo é do ex- Governador do Distrito do Congo, o Tenente da Marinha José Cardoso, ver FRAGMENTOS HISTÓRICOS DA DAMBA 18. ). Os portugueses que habitavam a vila, na sua maioria já tinham feito serviço militar activo e obrigatório, auxiliádos pelos certos angolanos fiéis ao sistema colonial. Portanto os que ficaram para defender a vila não eram civís indefesos, mas sim, soldados bastantes experimentados com armas de fogo. Os activistas da UPA tinha conhecimento da situação. E portanto, vão ousar atacar a vila da Damba!
Foi nas aldeias perto do cruzamento das estradas de Lucunga e de Madimba, 25 km a oeste da vila, que começou a formar o primeiro núcleo com a intenção de atacar Damba. O grupo estava armado de caçadeiras mas com insignificante quantidades de munições para um ataque que pretendiam fazer, decidem marchar até a vila da Damba. Ignora-se se foi por ordem de Holden Roberto ou por iniciativa própria dos guerrilheiros locais. De uma dúzia de nacionalistas inicial, o grupo tornou-se uma multidão de centenas de indivídios quando campado na aldeia de Sala Mbongi a espera de ordens do ataque nesta madrugada cheia de nevoeiro. Resultado de mobilização efectuada nas aldeias de passagem, jovens com a idade comprendidas entre 13 anos e 16 anos na sua maioria, constituiram o essencial do grupo. Jovens sem experiência, a maioria nunca ouviram a detonação de uma arma de fogo, armados de catanas, pilões, pedras, vão tentar desalojar o administrador da Damba, como já o referimos, protegido por militares profissionais. Contràriamente que é de conhecimento de todos, os colonos da Damba eram bem armados, nunca faltaram-lhes munições, contra rapazes quase desarmados, utilizaram bombas artisanais, até utilizaram mesmo aviação para esmagar a revolta. Neste caso a história está mal escrita, os heróis da Damba não são os portugueses que defenderam certos edifícios da vila. Os verdadeiros heróis são os mancebos nacionalistas que em nome da independência, enfrentaram o perigo e aceitaram morrer por esta causa nobre e justa.
Nesta manhã de 17 de Abril, em reacção ao colonialismo que os nacionalistas da Damba atacam a residência do administrador, não porque lá havia maior concentração dos colonos, mas no sub-solo do edifício havia um sinistro compartimento que servia de prisão, onde suponha-se haver prisoneiros. E o comandante do ataque, tinha dado ordens, segundo o velho Nsoki que participou na batalha, de penetrar no interior do edifício em todo custo para libertar os prisoneiros. Nas primeiras horas do ataque, os revoltosos dominaram a situação, obrigando os colonos estar na defensiva. Chegando mesmo há poucos metros do edificios, um nacionalista natural da Kiyanika, filho do Soba Nkabata, arranca a bandeira do mastro, símbolo do império lusitano, num gesto do desprezo, vai pisar a bandeira e depois faz com ela uma rodilha, lançando-a no ar, insultando os portugueses. Começam a gritar em kikongo:- Dibakamene! dibakamene! o que se traduz como: "temos a bandeira ou conseguimos a bandeira". Entoam canções revolucionárias, num instante ficam distraídos, desconcentrados mesmo. É o momento que vai aproveitar o Carlos Alberto, criolo originário dos Dembos, este acompanhado de um outro, que o velho Nsoki diz ser africano também,(Carlos Alberto era mestiço) que lhe cobria, chega perto do herói do dia, mata-o com um tiro da sua espingarda, cujo o sangue vai derramar na bandeira portuguesa, confisca-a, volta como veio desparecendo no novoeiro. Um dos combatentes que assistiu tudo que aconteceu com o homem corajoso, agora morto, certamente não compreendeu donde surgiu o Carlos Alberto e como despereceu, concluiu que eram obra dos demónios! Como a maioria eram superticiosos, o homem gritou: Matebo...! O pánico ganhou os que estavam a frente, o resto, sob o fogo intenso dos colonos, agora encorajados pelo gesto corajoso do Carlos Alberto, recuaram abandonando os mortos.
Se o edifício onde residia o administrador não tombou, o comandante dos sublevados vai ordenar a ocupação das aldeias da periferia da Damba, mantendo os colonos numa situação de sitiados, mesmo assim, conseguiram receber reforços vindos de Makela. Mas quem era o comandante que chefiou os independentistas na Damba? Não conhecemos quase nada sobre ele. Dr Carlinhos Zassala, um dos responsávies da FNLA, que participou na batalha da Damba, nos informa na sua auto-biografia, que o valoroso nacionalista chamava-se Ilola.
A bandeira recuperada na Damba, com o sangue do nacionalista de Sala Mbongi, tornou símbolo da guerra Anti-guerrílha, em que o então ministro de Ultramar exibiu num comício em Luanda, em Maio de 1961. A história da primeira batalha da Damba ficou imprimida nos manuais escolares, no livro da terceira classe, para servir de exempro a todos alunos do então império português. Enquanto que verdadeiro herói do dia, o que retirou a bandeira do mastro, continua no anonimato completo, ignora-se mesmo onde foi enterrado.
(1) - Kimpwanza significa em kikongo independência, termo inventado pelo fundador da Associação dos Bakongos, ABAKO, Mbuta Nkanza, que foi rival no mesmo movimento do Joseph Kasavubu, 1° Presidente do Congo Belga.