Por Miguel Kiame
Quando, em 1948, o primeiro grupo de missionários da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos aportou na Damba, já existiam, espalhadas pelas aldeias circunvizinhas à sede, algumas “escolinhas” suportadas e coordenadas por catequistas. Recorde-se que antes da chegada dos padres capuchinhos, a Damba era assistida, espiritualmente, por missionários vindos de Maquela do Zombo, responsáveis pela formação dos referidos catequistas.
Destaque-se, dentre eles, o Padre Santos de cuja congregação religiosa me escapa à memória.
Com a implantação do corpo clerical na Damba, repito, em 1948, fundou-se o núcleo do que viria a ser a primeira escola missionária: era uma estrutura tradicional, composta basicamente de um telheiro, sem paredes, feita de pau a pique e construída com o concurso dos próprios alunos, orientados a fazer o corte e transporte dos varapaus e capim.
Primitivamente, o embrião da futura escola, que se situava, precisamente, no local onde se encontra a gruta de Nossa Senhora – “Ave-Maria”, contou com um único professor, o senhor Pedro Faria Tufwa, natural na localidade de Tanga, Província do Zaire. Vindo do Novo Redondo (actual Sumbe), foi pessoalmente indicado pelo Arcebispo D. Moisés Alves de Pinho ao Padre Hilarino para exercer as funções de “Auxiliar da Missão”. Desde então, Pedro Faria trabalhou como catequista, professor da escola missionária e tipógrafo.
A recém-construída escola foi, inicialmente, constituída de três classes, a saber, Iniciação, Primeira e Segunda classes, reunidas num único barracão e com uma assistência numerosa. É de se calcular a grande dificuldade do professor para levar a bom porto a sua ingente tarefa de instruir e educar aquela massa adolescente e juvenil sedenta do saber. Para obviar a essa dificuldade, optou em escolher os alunos mais adiantados e mais diligentes da 2ª classe, para orientar, sob a sua direcção, os meninos da Iniciação e assim dedicar mais atenção aos alunos cuja intensidade e complexidade do conteúdo exigiam maior entrega do professor.
Em 1950, executou-se a construção do actual edifício, por profissionais locais e igualmente com materiais locais. Os adobos foram feitos pelos alunos, na localidade da Granja. A construção dessa Escola constituiu um salto qualitativo e quantitativo do processo docente educativo, pelo melhoramento substancial das condições de ensino e aprendizagem bem como pelo incremento do número de alunos. Na ocasião, fez-se um recrutamento “ad-hoc” do corpo docente para se fazer a cobertura global do número de alunos. Escusado será dizer que os auxiliares de professor, na época, não detinham de nenhum conhecimento didáctico pedagógico para a ministração das aulas. Recebiam algumas noções rudimentares e assim levavam a efeito a sua actividade lectiva.
Pedro Faria era igualmente correspondente do Jornal “O Apostolado” e, nessa condição, descobriu na página publicitária do Jornal que na localidade do Cuima – Huambo, estava a funcionar uma Escola de habilitação de professores de posto. Com base nessa valiosa informação, por volta do ano 1954, enviou-se àquela Escola um candidato. Assim, o primeiro professor diplomado integrou o corpo docente da Escola Missionária, no ano de 1957. Foi o professor Afonso Castelo Paulino, cursado na Escola do Magistério – Teófilo Duarte, em Cuima.
O encaminhamento para essa formação era da responsabilidade das Missões que, para o efeito, beneficiavam de quotas com base nas quais se fazia a pré selecção dos candidatos. A Damba tinha direito a 2 vagas. Apercebendo-se o Senhor Padre Rafael da falta de candidatos por parte da Missão de S. Salvador do Congo, aproveitou a oportunidade para levar consigo 4 candidatos da Damba até Malange, onde era feita a selecção final dos cursistas pelo Director da Escola do Cuima. Contudo, postos lá, o Director não aceitou o ingresso de 4 candidatos para Damba. Assim sendo, de quatro candidatos ficaram apenas dois, João Kiame e Carlos Eduardo Pedro Camba, por decisão do Padre Rafael. Os dois restantes candidatos, Afonso Nteka e Romualdo Fernando, regressaram à procedência. Posteriormente, Afonso Nteka foi encaminhado para o Seminário e Romualdo Francisco para o aprendizado da profissão de Alfaiate. Afonso Nteka teve o glorioso percurso, como é consabido por todos nós e Romualdo Fernando foi, mais tarde, repescado para Monitor Escolar.
Depois de assegurar o magistério aos professores formados, Pedro Faria Tufwa, passou a dedicar-se exclusivamente aos trabalhos da Tipografia, prestando serviços não só para Damba mas também para Maquela do Zombo, Bungo e Mucaba. Fui um dos seus ajudantes. Portanto, Pedro Faria Tufwa pode considerar-se com toda a justiça e merecimento a pedra angular, o promotor do processo de ensino e aprendizagem na Damba. É o PAI, cujos filhos fizeram florescer a Damba ao ponto de ter grangeado a fama de terra de muitos intelectuais.
O segundo grupo de professores diplomados, Carlos Eduardo Pedro Camba e João Kiame deu entrada na Escola em 1959. A metodologia adoptada era a de entregar aos professores com maior qualificação técnica as classes mais complexas, isto é, a 3ª e 4ª classes, sendo as classes iniciais entregues aos menos qualificados.
Em pleno ardor da luta de libertação nacional, 1961, mais um professor dava entrada, o Sr. António Quivixi que à semelhança dos primeiros veio contribuir e dar corpo à qualidade do ensino na Escola.
Depois dos acontecimentos de 1961, o encaminhamento para o Cuima passou a ser mais regular, abrindo-se, igualmente, novas oportunidades em Vila Salazar, actual Ndalatando e em Carmona, actual Uíge, com a abertura de Escolas do Magistério. Contudo, a natural morosidade do processo de formação de professores, não permitia oferecer o corpo docente necessário e suficiente, para a explosão escolar verificada, imediatamente após ao início da luta armada para a independência do País. Então, o Governo Colonial optou por integrar no processo de ensino a figura de “Monitor Escolar”. Monitor Escolar era um docente habilitado com a 4ª classe e a quem se ministrava um curso intensivo nas matérias de Didáctica Geral e Pedagogia Geral. A Missão Católica teve que se adequar também ao quadro que se criara para receber mais alunos e mais professores. Assim, atrás do edifício onde funcionava a Capela (actual Sala D. Afonso Nteka), multiplicaram-se salas, especialmente, para as classes pré-primária e 1ª classe, a cargo dos Monitores Escolares.
Nessa altura, aos sábados, havia actividade lectiva, consagrada especialmente para trabalhos manuais, canto, educação física e desportos, em geral. Depois do regresso do Professor Carlos Camba da tropa, em 1964, a ginástica atingira uma prática e um nível consideráveis de organização. Nesses dias, a missão fervilhava num autêntico convívio entre corpo docente e discente.
Nos primeiros tempos, na Escola não era permitida a realização de exames. Os alunos das classes de exame eram obrigados a deslocar-se à Escola Primária da Vila, onde eram examinados, sob a coordenação de equipas de professores expressamente nomeados pela Direcção Distrital de Educação, não tendo, por isso, os professores titulares dessas turmas, acesso nas salas onde decorriam as provas escritas. Somente as provas orais eram públicas.
Ainda no início dos anos 60 do século passado, pontificaram na Escola da Missão Católica professores renomados oriundos da classe de Monitores Escolares mas de elevada competência técnica. Na dificuldade de poder enunciar todos, perdoem-me, mas tenho que destacar o professor Pedro Miguel Bondo, detentor de uma capacidade intelectual fora do normal. Ainda na condição de monitor não se coibia em travar discussões de qualquer natureza com os professores teoricamente mais qualificados. Regista ainda a nossa memória, o concurso de docentes como João Mengawako, Almeida Mfumwasuka, Manuel Kiala, João Lengo, Romualdo Fernando e outros que me escapam e aos quais reitero o meu pedido de desculpas.
A terminar quero reconhecer publicamente e assumir com visos de profunda gratidão o papel do Professor Pedro Faria no desenvolvimento do processo docente educativo da Damba. Esta é uma realidade insofismável e uma dívida moral do povo da Damba para com o Mestre Faria que não pode ser esquecida ou escamoteada.