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Portal da Damba e da História do Kongo

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Página de informação geral do Município da Damba e da história do Kongo


HISTÓRIA DE ANGOLA, DA PRÉ-HISTÓRIA AO INÍCIO DO SÉCULO XXI - De Alberto Oliveira Pinto

Publicado por Muana Damba activado 27 Enero 2016, 06:27am

Etiquetas: #História do Reino do Kongo

HISTÓRIA DE ANGOLA, DA PRÉ-HISTÓRIA AO INÍCIO DO SÉCULO XXI - De Alberto Oliveira Pinto

- Prefácio de Elikia M ́Bokolo (École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris e Professor da Universidade de Kinshasa)

- Posfácio de Adriano Mixinge (Historiador e Crítico de Arte).

- Recensões de Elizabeth Ceita Vera Cruz (Universidade Católica de Angola), Tânia Macêdo (Universidade de São Paulo) e Ana Mafalda Leite (Universidade de Lisboa)

- Características Técnicas Formato – 15,5x 23,5cm Capa mole com badanas 800 Páginas P.V.P. = 27,00 €

- Data de Publicação – 4 de Fevereiro de 2016

- APRESENTAÇÃO AO PÚBLICO, 4 DE FEVEREIRO, às 18h, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Alameda da Universidade), em Lisboa

(Entrada Livre)

Contactos:
- Mercado de Letras Editores, Lda.
- Rua Engo Ferry Borges, no 3B – Esc. A. 1600-237 LISBOA
Telefone – 00.351.912.543.504. E-mail – claudia.peixoto@mercadodeletras.pt

Alberto Oliveira Pinto
Telefone – 00.351.968.713.817
E-mail – alberto.o.pinto@gmail.com

Prefácio de Elikia M’Bokolo


Não é demais reconhecer que ainda é difícil, muito difícil mesmo, escrever a história dos espaços, dos territórios e dos povos que constituem hoje em dia os Estados africanos. Angola é, evidentemente, parte receptora desta dificuldade real, sentida por todos os especialistas –
investigadores, docentes, pedagogos e divulgadores de todos os géneros –, pese embora a impressão contrária que o grande público, mesmo o “letrado”, como costuma dizer-se, possa ter.

Eis-nos perante o primeiro embaraço. Deveremos dizer “Estados” africanos ou “nações” africanas? Angola, que é “o objecto” analisado nesta obra e “o sujeito” activo da narração, não escapa a essa problemática geral. Decerto que essa dificuldade persistente da historiografia africana não será suplantada tão cedo, pois deve-se a uma conjunção inextricável de factores ao mesmo tempo objectivos e subjectivos.


Em primeiro lugar, os “factos” não são apenas extraordinários e de enorme singularidade. É muito frequente, em regiões e territórios constitutivos dos espaços políticos actuais, os “factos” emergirem, em termos espaciais, de uma maneira difícil de explorar, mercê do seu desequilíbrio e da sua extrema desigualdade conforme os enquadramentos geográficos. Os “Estados”, os “reinos” e os “impérios” dominam tanto o espaço da escrita histórica quanto a memória “oficial” contemporânea, quando na realidade as formações sociais e políticas se
revestiram durante muito tempo de extraordinária diversidade e fluidez, de que aliás se encontram vários exemplos neste livro.

Além disso, esses factos apresentam-se de maneira muito desequilibrada. Encontramo-nos na presença de pouquíssimos factos para os períodos remotos e de muitos factos, pelo menos aparentemente, para os períodos recentes. Mas a natureza desses factos não é idêntica, de um período para o outro ou, em termos mais globais, de um tema a tratar para o outro. Durante períodos demasiado longos, Angola evidencia-se como uma excepção positiva, de tal modo parece privilegiada pela abundância das “fontes escritas”. Mas de que – ou melhor, de quem – é que falam essas “fontes”? Dos “Angolanos” de anteontem e de ontem?


É necessária a vontade e a sorte de um garimpeiro para encontrar a pepita rara sobre o que foram esses homens e mulheres de outrora, assim como um conhecimento comprovado, associado a um mínimo de empenhamento, para sobre eles fornecer interpretações adequadas. São, portanto, poucas – muito poucas – as fontes, comparativamente com os
dados contemporâneos que mais nos informam sobre os “Angolanos” de hoje. Mas, de ontem até hoje, de que “Angolanos” se trata? Das rainhas, dos reis, dos comerciantes ou de qualquer pessoa? Questões sobremaneira essenciais, pois “a nação” é, evidentemente, “toda a gente”. Se a história escrita não consegue falar de “toda a gente”, então é a história de quê?

Não há apenas os factos, reduzidos na maioria das vezes a datas ou a figuras de indivíduos ilustres ou incontornáveis. Também temos que considerar o perfil geral do continente africano e das suas partes constitutivas na longa história do mundo. Nessa história “global”, que doravante não podemos deixar de ter em conta, Angola ocupa uma posição superior e de grande visibilidade. Qual o quinhão de Angola no desenrolar tão duradoiro da história do mundo? E, na própria África, qual foi a quota-parte de Angola, entre as partes constitutivas a que hoje chamamos “nações”? Essa porção e esse papel terão sido os mesmos para todos?

Senão, quais terão sido as diferenças, porquê essas diferenças e de que natureza, em que épocas, sob que iniciativas e com que efeitos no imediato e na perenidade? Bem se vê, em se tratando de Angola, que a problemática da “mundialização” (a “mundialização arcaica”, pré-capitalista, dos séculos XV ao XIX, e a “mundialização moderna”, capitalista, a partir do século XIX) é, incontestavelmente, parte integrante da sua história. Temos, portanto, que encarar esta problemática da “mundialização” da perspectiva de uma longevidade de mais de meio milénio.


Será de estranhar que o Professor Alberto Oliveira Pinto tenha decidido consagrar vinte capítulos ao desenrolar desta história de tão longa duração? Na verdade, não é o número de capítulos nem a quantidade que importam, e sim a sua organização e a sua articulação. Para já, estes vinte capítulos vêm romper, muito afortunadamente, com o fastidioso recorte trinitário entre o “pré-colonial”, o “colonial” e o “pós-colonial”.


Esta opção arrasta uma outra, a de uma “história narração”, em lugar e em vez de uma “história problema”, segundo uma distinção cara ao historiador François Furet. Eis uma escolha marcada pela preocupação da prudência e pela aposta na durabilidade. Muito paradoxalmente, a “história problema” de Angola é bem conhecida, muito mais conhecida do que sua história narração. É essa a que é professada pelos especialistas de todas as ciências sociais, a justo título atentos às transformações, às práticas, às tendências e aos desafios contemporâneos de Angola. Sabe-se da pertinência, forçosamente passageira, desses trabalhos. A opção aqui feita
em favor da “história narração”, solidamente apoiada numa cronologia densa e detalhada, não exclui a exposição nem a análise dos problemas.


Tal é, em primeiro lugar, o caso da questão dos conceitos, noções e palavras que utilizam, quer os especialistas, quer os profanos, para designar as realidades sociais e políticas angolanas: etnias; tradições; Estado; reino; império; fronteira; aliança; expansão; conquista... Tal é, igualmente, o caso da questão das relações entre os mitos e a história: os mitos fundadores
das formações políticas locais; mas também os mitos que acompanham as tão longas relações entre Angola e Portugal e fabricados, tanto do lado português, como do lado angolano. E tal é, finalmente, o caso da questão das oscilações socioculturais, espirituais e políticas, quer se trate do “nascimento” dos Estados, das “conversões” religiosas reais ou imaginárias, da “apropriação da escrita” e, evidentemente, das efervescências intelectuais que desabrocharão logo a seguir à II Guerra Mundial.


Existe, em suma, uma espécie de fé que percorre todo o relato de Alberto Oliveira Pinto. Quem se admirará disso, quando é conhecida a ligação íntima que a prática e o conhecimento da história entretecem com a consciência política? Para nos convencermos, basta ver a meticulosidade com que sistematicamente são desmontadas as figuras ditas heróicas que
o colonialismo português não se cansou de exaltar. A contrario, ao longo do quase milénio abrangido pela narração, deparamos com a multiplicação de personalidades femininas e masculinas, por vezes míticas, cuja gesta constitui, em definitivo, o fio condutor da história de Angola. Uma história construída com sangue, mas também alicerçada num combate contínuo
e, por fim, vitorioso contra a barbárie da espoliação esclavagista e colonial.


Uma história que testemunha, pela sua enorme duração, a vitalidade inextinguível da Sagrada Esperança de Agostinho Neto.


Elikia M ́Bokolo
Paris, 18 de Outubro de 2015

Nota do autor

Há anos que se discutem projectos de elaboração colectiva de uma História de Angola, em vários volumes, com a colaboração dos múltiplos especialistas angolanos e estrangeiros que, ao longo de pelo menos quatro décadas, se têm dedicado a notáveis estudos de caso, e nas mais diversas vertentes – política, económica, social, cultural – da história angolana. Infelizmente, a concretização desses projectos, cada vez mais prementes, sobretudo depois de decorridos 40 anos sobre a Independência de Angola, tem-se revelado inviável, por razões que nos transcendem a nós, historiadores.

Mas desde a década de 1990 que me é feita uma pergunta incisiva, decerto também colocada a outros colegas: existe alguma História de Angola condensada num só livro? Um livro que, podendo ser um manual, contenha algo mais do que o essencial sobre a memória do povo angolano? Um livro que, não só possa servir, tanto ao leitor comum quanto ao estudante – do ensino universitário, do secundário e mesmo do básico –, como ainda de instrumento de trabalho e consulta aos investigadores? Se outros Estados soberanos têm a sua história compendiada em livro – há “Histórias” de Portugal, de Espanha, de França, da Inglaterra, do Brasil, de Cabo Verde, de Moçambique, da Alemanha, dos Estados Unidos da América –, porque é que não existe uma Históriade Angola?

A pergunta era embaraçante, pois convidava-me a respostas, umas titubeantes e desalentadas, outras cruelmente ingratas. Titubeantes porque se iniciavam quase sempre com um “há, mas…” ou com um “só há…”. E desalentadas porque remetiam necessariamente, ou para obras incontestavelmente meritórias e incontornáveis, mas escritas antes da Independência e espelhando perspectivas colonialistas luso-cêntricas – como as de Ralph Delgado e as de Gastão Sousa Dias –, ou para o prestimoso, mas inevitavelmente incipiente, esboço nacionalista elaborado em Argel, em 1965, pelo Centro de Estudos Angolanos, constituído por Henrique Abranches, Adolfo Maria, Mário Afonso (Kasesa), João Vieira Lopes e Artur Pestana (Pepetela). Respostas ingratas eram as que me obrigavam a dizer a verdade acerca de obras – como uma de Douglas Wheler e de René Pélissier, publicada em Portugal em 2009 – que, por razões de mercado editorial e independentemente da qualidade intrínseca e dos desígnios dos autores, foram traduzidas para a língua portuguesa ostentando abusivamente, nas livrarias, o título História de Angola. Na realidade, não só os títulos originais eram outros, como se tratava de estudos de caso balizados no tempo, ainda que brilhantes.

Curiosamente, a pergunta não me era feita pelos meus colegas historiadores, cientes, como eu, das dificuldades inerentes a um projecto ambicioso dessa natureza e, ainda por cima, da responsabilidade de um só autor. Mas era-me colocada por pessoas das mais diversas proveniências: angolanos, portugueses, estrangeiros… Os chamados leitores comuns, os simples curiosos… Para além destes, outros me atiravam com a pergunta insistentemente. Destaco, em primeiro lugar, a juventude angolana. Por um lado, os jovens que, em Luanda, assistiram às minhas conferências na União dos Escritores Angolanos e na Associação Chá de Caxinde, nomeadamente quando, em 1998, o meu romance histórico Mazanga foi distinguido com o Prémio Literário Sagrada Esperança. Por outro lado, os meus alunos universitários em Lisboa. Quando introduzi, nas disciplinas História dos ImpériosMarítimos e Coloniais e História Diplomática Portuguesa, capítulos sobre as embaixadas quinhentistas dos reinos do Kongo e do Ndongo a Portugal, foi impressionante verificar a avidez daqueles jovens, que vinham (e vêm) licenciar-se à ex-metrópole, em querer conhecer a História do seu país, que surpreendentemente não lhes era ensinada na escola secundária angolana. A maior parte deles – era inacreditável! – só conhecia Njinga Mbandi ou Mandume como nomes de ruas. Contudo, ansiavam por informação, pela recuperação merecida da remota memória histórica ignominiosamente silenciada! Em Angola reinava e reina, tal como no tempo colonial, o positivismo tecnocrático e quantitativo, pelo que só interessa falar em presente e em futuro. Porque estará Angola condenada à doença de Alzheimer?

Recordo também os meus colegas docentes e investigadores dos Estudos Africanos em Angola, no Brasil e em Portugal, os estudiosos da Sociologia, da Economia e da Literatura angolana, que tiveram a hombridade de me confessar as suas lacunas no conhecimento da História de Angola e de me relembrar a urgência da concepção desse livro inexistente. Alguns empurraram-me literalmente para o escrever. Destaco, no caso angolano, a minha velha amiga e irmã – e eterna Professora! – Elizabeth Ceita Vera Cruz, no caso brasileiro as Professoras Doutoras Tania Celestino Macêdo e Rita Chaves, e no caso português/moçambicano a Professora Doutora Ana Mafalda Leite. Em 2006, a pedido de Tania Macêdo, Rita Chaves e Ana Mafalda Leite, vi-me numa situação singular para um académico: a de, durante semanas, desempenhar em salas de aulas o papel de “contador de histórias”, narrando século a século a História de Angola e dos seus povos aos estudantes de Literaturas Africanas. A experiência repetiu-se na Universidade de São Paulo (USP) e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL). Em finais de 2010, concluído o meu Doutoramento, estas amigas e irmãs, às quais se juntaram muitos outros amigos, de entre os quais destaco os meus filhos e os meus pais – sobretudo o meu pai! –, não hesitaram em dar-me o empurrão decisivo: “Escreve agora a História de Angola!”.

Eis o livro, finalmente. Como é evidente, nem esgota a História de Angola, nem retira o lugar a outras experiências no género que é desejável sejam feitas no futuro. Trata-se, apenas, da primeira tentativa de um angolano, passados 40 anos sobre a Independência de Angola, narrar e explicar – pois desde Heródoto que a História é acima de tudo analítica e, pelo menos desde o Romantismo, tem uma função explicativa e não meramente narrativa dos factos –, de modo abrangente, com todas as inevitáveis subjectividades e imperfeições, o entrosamento das acções e dos interesses humanos que, ao longo dos séculos, foram construindo o seu país. Escolhi deliberadamente, como baliza cronológica final, o ano de 2002, que tem sido unanimemente convencionado como o do início da era da paz. Entendo extemporânea uma análise a quente, se me é permitida a expressão, das transformações sofridas em Angola nos 13 anos que entretanto decorreram, dos quais os quatro últimos dediquei a este trabalho. Mas, se a Providência me ajudar, admito a possibilidade de, em futuras reedições refundidas do livro, proceder a apreciações devidamente distanciadas e frias do que tem sido o percurso angolano neste primeiro quartel do século XXI.

Tratando-se de um livro que só poderia ser escrito por um académico e sendo susceptível de leitura e de consulta por outros académicos, não é, de modo algum, um livro académico. Destina-se a qualquer leitor. E o leitor tem, evidentemente, como em tempos o enunciou Daniel Pennac, o direito de saltar páginas e capítulos. Mas o autor, ao concebê-lo, teve que obedecer escrupulosamente a dois ditames essenciais a um historiador: a noção inexorável da limitação dos seus conhecimentos; e a fidelidade à cronologia. Assim sendo, só muito pontualmente me socorri dos meus trabalhos pregressos. Era inevitável a consulta de uma plêiade de autores que, muito antes de mim, se debruçaram sobre incontáveis momentos e temáticas da História de Angola. No entanto, num livro deste género, era-me impossível, por cada vez que os citasse, recorrer ao habitual expediente da nota de rodapé. Além de redobrar o número total de páginas, já por si assaz extenso, criaria, como soe dizer-se, obstruções à fluência da leitura. Mas tive a preocupação de fundamentar todas as minhas afirmações e de, frequentemente, mencionar os autores e as obras que me serviram de fonte, os quais o leitor encontrará devidamente inventariados na bibliografia apresentada a páginas finais. Quanto à cronologia, ela é indispensável ao historiador de todos os tempos, pois não é possível organizar a memória sem o recurso a marcadores. E, ao contrário do que alguns podem pensar, a história cronológica não invalida – antes lhe confere sentido – aquela que ilustres historiadores – com destaque para Elikia M´Bokolo – designam por “História em espiral”. A espiral é uma linha helicoidal que se desloca sobre uma semi-recta, a qual lhe serve de fio condutor. Qual é o fio condutor da História? A cronologia!

Falando em espiral da História – ou, segundo a metáfora também recorrente, dos rodízios que impulsionam os ponteiros do tempo como os do relógio –, não é demais salientar que a minha construção historiográfica de Angola assentou nas dimensões política, económica, social e cultural, com todas as limitações e subjectividades na sua interpretação, delineação e articulação fatalmente inerentes a um trabalho desta natureza. Aos interesses económicos e políticos dos homens associam-se os imaginários e as representações. Todos contribuem para a História de Angola, que não se iniciou, evidentemente, em 1975, com a Independência do Estado angolano. Muita gente, aliás, me tem deixado perplexo quando afirma que a História de Angola só tem 40 anos ou quando se admira ao saber que o meu quadro cronológico se inicia por volta dos anos de 7.000 a.C., como se em Angola – e na África Subsariana em geral, tal qual o entendia o discurso colonial – não pudesse ter existido uma “Pré-História”.

Na concepção da história desta realidade cultural, primeiro territorial, depois colonial e por fim nacional que é Angola, há que considerar, não apenas as fontes escritas – inclusive, evidentemente, as coloniais –, mas também as fontes orais e arqueológicas. Sobretudo no que diz respeito às informações sobre os Estados angolanos ditos “pré-coloniais”. Quanto a esse e outros pontos, este livro está longe de ser exaustivo. Um excelente exemplo diz respeito à história do povo Ovimbundu e da maioria dos povos angolanos a sul do Planalto Central antes do século XIX, para as quais há todo um caminho aberto à arqueologia e a outros historiadores, nomeadamente aos que se preocupam com a incontornável história regional. Que o meu trabalho contribua para os incentivar!

Outro caminho inteiramente em aberto é o da ortografia dos vocábulos de origem bantu, sobretudo topónimos, incorporados na língua portuguesa falada em Angola. O tema daria para um ensaio, mas no curto espaço de que disponho limito-me a adiantar que não acredito em nenhum projecto de unificação dessa ortografia, a qual deriva, pelo menos, de três fontes bem distintas: do próprio critério ortográfico do português de Portugal, com todas as variantes seculares; do dos missionários católicos de línguas latinas – portugueses, castelhanos e italianos – disseminados sobretudo pelo Vale do Kuanza desde o século XVII; por fim, do dos missionários reformistas (ou protestantes) de línguas germânicas – flamengos, britânicos e alemães –, preponderante do Planalto Central para sul a partir da segunda metade do século XIX. Presentemente, do meu ponto de vista, cabe aos poderes locais e não aos centrais a definição das fórmulas ortográficas, com toda a salvaguarda das diferenças regionais. Por exemplo, consoante as diferentes regiões, o adjectivo kuanhama ou kwanyama tanto pode ser grafado pela primeira fórmula, a latina, como pela segunda, a germânica. E porque não – tal como me acontece nos capítulos deste trabalho relativos às campanhas militares portuguesas no sul de Angola no dealbar do século XX – na formula vernacular portuguesa cuanhama? Aliás, em diversos momentos do meu trabalho, optei por manter a grafia portuguesa, não recorrendo ao kambaquista e conservando o c. Tal é o caso, por exemplo, de nomes de rios e de localidades que ainda hoje, na toponímia oficial angolana, mantêm o c, tais como Ambaca, Cacuaco, Cambambe,Cunene, Caculuvar, Caconda ou Catumbela.

Em várias passagens desta História de Angola pude advertir o leitor de que a minha opção se pautou, preferencialmente, pelo critério ortográfico latino, também designado por ambaquista. No entanto, no que diz respeito a topónimos, as conjunturas podem introduzir matizes. Por exemplo, o Kongo passa a Congo quando não é designado como Estado bantu independente e sim como realidade colonial ou pós-colonial. Ou quando é grafado com c nas fontes citadas. A capital do antigo Reino do Kongo,Mbanza Kongo, torna-se São Salvador do Congo em 1595, com a criação da diocese homónima. Será necessário sublinhar que os naturais do Reino do Kongo, os Congueses, diferem dos naturais das ex-colónias belga e francesa do Congo, os Congoleses? Também não se confunda o Ndongo, o Estado independente dos Ngola, com o Dongo, um Estado títere criado pelos Portugueses no século XVII. Aliás a elisão deliberada do n consta dos próprios documentos portugueses coevos.

Sejam-me permitidas mais duas advertências. Uma primeira ainda relacionada com a ortografia. Nos múltiplos mapas que o livro apresenta, destinados a contextualizar as matérias e cujas fontes são meticulosamente indicadas, o leitor deparará com as mais diversas fórmulas ortográficas para os topónimos angolanos. Que esta aparente incongruência nos incentive a um debate que nunca foi feito desde a Independência de Angola, sem que, insisto, nos deixemos levar por tentações espúrias como acordos ortográficos ou outras imposturas similares.

A segunda advertência também diz respeito à componente iconográfica deste livro. Deliberadamente, não figura nele qualquer retrato de nenhuma figura humana da história de Angola, nomeadamente de nenhum governador colonial nem de nenhum político nacional. O leitor encontrá-los-á noutras sedes. Abri, contudo, uma excepção para a rainha Njinga Mbandi, cujos retratos apresentados são imaginários.

Que este livro desperte ou acentue em quem o ler uma avidez de conhecimento da memória de Angola tão insaciável quanto a minha o tem sido e continuará a ser.

Alberto Oliveira Pinto

Lisboa, Agosto de 2015

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