OS MINTADI E A COSMOVISÃO DOS BAKONGO
Por Emanuel Caboko
A região do Noki (província do Zaire) possui uma grande importância no contexto das escolas tradicionais de arte que ao longo dos tempos foram se fixando no território que hoje constitui a República de Angola. Ali foi desenvolvida uma escultura tradicional (estátuas) simbólica, muito conhecida e apre-ciada, não somente no nosso país mas, também no seio da comunidade científica estrangeira, sob a designação de Mintadi. Ela tornar-se-á, de geração em geração, num símbolo de grande relevância para a cultura material e imaterial dos povos Bakongo e da nossa Cultura e Identidade.
Os Mintadi são estatuetas de característica essencialmente antropomorfa, feitas de esteatite, conhecida como pedra-sabão, mas que no entanto, os povos a denominam localmente como
Matadi Mafumu.
Apesar de não terem sido desenvolvidos estudos suficientes ou profundos relativamente ao conhecimento do seu significado e das suas possíveis funções junto da comunidade, a limitada literatura sobre si revela que os Mintadi são, de facto, uma produção artística e de grande significado e utilidade junto da comunidade e, parece não haver grande divergência, em relação à sua função no universo filosófico dos povos Bakongo.
Uns afirmam que os Mintadi estão associados, sobretudo, ao poder tradicional, rituais funerários, culto religioso popular. Outros ainda a distinguem em virtude do seu significado na língua portuguesa: vigiador, vigilante, guardião ou ainda seguidores, remetendo-se-lhe, assim, para uma utilidade básica de protecção à família e comunidade (para estes os Mintadi proclamam a estabilidade e a coesão no seu seio). Resumem ainda outros que os Mintadi estão associados às concepções estéticas e filosóficas da cultura Bakongo, ao norte de Angola. Todos, contudo, acabam por concordar que os Mintadi representam a cos-
movisão dos Bakongo.
Criatividade
A criatividade artística dos seus autores, está assente na grande e rica diversidade dos temas e formas das peças esculpidas, destacando-se em quantidade os exemplares que representam a maternidade e as práticas sociais ou simplesmente, o quotidiano.
Os seus escultores muitas vezes trabalham em segredo, particularmente na criação dos “objectos” que, estão estritamente relacionados às práticas de culto, justamente por se tratar de representações ligadas às forças espirituais dos seus ancestrais.
Alguns desses objectos podem, muitas vezes, atender a mais de uma finalidade e reflectindo uma série de significados. Contudo, essas esculturas servem para marcar os eventos ou fases da vida.
Eventualmente, assim se pode justificar o porque dos Mintadi manterem, ao longo dos tempos, uma relação vinculativa com a sua comunidade, tendo, para ela, uma utilidade constante e permanente no quotidiano. As estatuetas são, sobretudo, usadas em cerimónias especiais. Em algumas ocasiões e cerimónias elas são colocadas para justificar ou representar o soberano, na sua ausência. No passado, por exemplo, quando uma peça fosse colocada sobre o trono de uma autoridade tradicional ausente, os membros da comunidade tinham que se comportar como se o seu soberano ali estivesse.
Levadas para a Europa
Muitas dessas emblemáticas peças, foram levadas para a Europa no passado. No século
XVIII, XIX e XX, terão sido levadas por missionários, estudiosos e outros interessados nu-
merosos exemplares para serem expostos em museus europeus. Só assim se pode justificar a
presença dos Mintadi, por exemplo no Museo Pré-histórico e Etnográfico Luigi Pigorini, em Roma e em outros museus na Bélgica (Museu de Teourvin) e ainda em Portugal (Sociedade de Geografia de Lisboa, Antigo Museu do Ultramar, etc) e França.
Nos anos 50 do passado século, ainda, um pintor belga, Verly, passando por Angola terá
levado consigo uma grande quantidade de peças de boa qualidade. Algumas dessas peças
foram fotografadas e descritas no seu artigo “Les Mintadi, la statuaire de Pierre Bakongo”,
Revista “Zaire” no 9, Louvain, 1955.
Há informações de que o seu fabrico terá perdurado até à segunda metade do século XX,
embora já com uma reduzida produção. Contudo, no período colonial foi deliberada a sua
reprodução (falsificação), inundando o mercado turístico (como artesanato comercial ou
fazendo-se passar por originais).
Em alguns museus de Angola, estão expostos, um número significativo de exemplares dessa escultura tradicional atribuída aos Bakongo, que importa estudar, conhecer, preservar e valorizar.
Via Jornal Cultural