Por Patrício Cipriano Mampuya Batsikama
Sobre os Herero o padre Estermann nos informa o seguinte:
Em Angola, pertencem ao grupo étnico dos Hereros os Dimbas, os Chimbas, os Chavícuas, os Hacavomas, os Cuvales, os Cuanhocas e os Guendelengues. Todas estas tribos ostentam grandes afinidades
com os Hereros da Damaralândia, no Sudoeste Africano, que pode considerar-se, sem exagero, como a tribo-tipo de todo o grupo. Por isso é plenamente justificada a extensão de nome a todos os
núcleos étnicos aparentados. Aliás, nalgumas regiões do Sul de Angola, os próprios indígenas, sobretudo os velhos, não rejeitam o apelido de
hereros, conquanto a sua designação étnica habitual seja diferente. Dizíamos que os Hereros propriamente ditos habitam na Damaralândia. Ora para quem não esteja ao par da intrincada nomenclatura
étnica do Sul de Angola e igualmente do Norte e Centro do Sudoeste Africano, este termo precisa de duas palavras de explicação. Os habitantes da dita região foram chamados Dâmares, ou melhor
Damas, por seus vizinhos do Sul, os Hotentotes, em cuja língua o vocábulo dama significa simplesmente “negros”. Mas como na mesma região viviam outros negros, linguisticamente e mesmo em termo de
“raças” muito diferentes, empregavam para os distinguir os dois termos “pretos (possuidores) de gado” e o “segundo, muito depreciativo, “pretos de excremento humano”. Estes últimos
obtiveram, na literatura étnica e geográfica, o nome de “Bergdama”…”.
Esta lista dos povos Herero é confirmada entre nós por Ruy Carvalho Duarte. Contudo, do ponto de vista da antropologia cultural , física e linguística, a existência dos seguintes clãs pode ser assinalado:
1) “Dimbas” - Hereros entre os lûnda-Côkwe, localizados precisamente em Cyambâmba (Nsi’a Mbâmba), Cîndi (Nsîndi), Muhûngu (Mawûngu), e na Lwêna são numerosos em
Lumbala (lumbâmba-la) e maioritários em Kapa rya Ndânda. Os Ndîm(b) a encontram-se ainda entre os Côkwe das localidades de Xaci Ndôngo , Kalwângu e Carumbu.
2) Cîyîmba (Cirimba, Nsî’a Yîmba = Kwîmba) – Hereros que se pode encontrar no Kwângu Kisweya, Luhame e Gamba Muhûngu (Muwûngu). No Lwêna eles habitariam as localidades de Musamba, precisamente
nas localidades de e Kalûnda. É comum encontrar-se diversas famílias Côkwe que designam a si mesmos pelo termo Cîmba, ou pelos seus equivalentes Cinvûnda, Salundjika, Ciboco (Nsi’a Mbuku ou
Cimbûku) e Xacisambwe.
3) Hereros que estão espalhados nas regiões de Cuvale Mata(m)ba, Luremo, Cijînga (Ciñzînga/Kiñzînga), Cimbwênde (Kimbwênde), Kakenge, Mukônda, Sindji (Nsîndi), etc. Também
encontram-se presentes nas províncias angolanas de Benguela Huila, bié – assim como no Huambo.
4) Ovakwanyôka - Hereros presentes entre os Kwanyâma. Há abundantemente famílias Hereros entre os Côkwe, e de modo geral entre as populações zimbabweyanas que habitam as regiões meridionais
angolanas. São reconhecidas pelas línguas zimbabweanas que eles falam, principalmente pela presença fonética do “clique”. Entre os Côkwe pronuncia-se Rueji como “ru-/’ji” ou “ru-/’eje”, e Lwêzi
como “lu-w(e)j” ou “lu-uéz”. Ora, aqueles Côkwe ou Lûnda que pronunciam “rr-è/’ji” ou “rlw-é-xi”
pertenceriam às linhagens que remontam das misturas com os !Kung, porque são Tsîng. Têm ainda outro aspecto importante em comum: Makônde é chamado “Inga” ou “Sinji”, e reclamam mesmo possuir o
“sangue uterino” que dá legitimidade às suas famílias para reinar. Poderiamos acrescentar outros elementos a este argumento, como o facto de serem quase sempre considerados tradicionalmente como
os “primeiros instalados”, mesmo aí onde por razões sócio-políticas fora-lhes outorgado terras, o facto de suas meninas não casarem entre eles.
Para mais subsídios em favor de tais afinidades, vamos agora restabelecer timidamente a lista das localidades habitadas por eles nas três províncias angolanas que percorremos durante a nossa investigação de campo.
1) Moxico: Kamanongue, Kangûndu (!Ka/’rund, ou !Ka/ñyundu), Kavûngu (!Ka/hung), Kayânda (!Ka/’yand),
Kalûnda (!Ka/’rund), Kasâmba, Lumbala-Kakênge, Xi/’hume (Chiume);
Devemos a versão fonética entre parêntesis à uma iniciadora auxiliar das meninas de nome Maria Mulala (Muhala), que listou os topónimos da presença Herero em Moxico. !Ka/ñyundu e !Ka/’yand,
por exemplo, significam “país da mãe ancestral” ou, metaforicamente, “local de irmandade”, o que coincide com nas outras línguas zimbabweyanas, cujo significado é poço ou nascente. A variante
khoisan o sentido do termo “kangûndu”
“!Ka/rwund”, que é geralmente o “cordão umbilical” ou o “sexo da mãe”, pode vir a significar “fraternidade”. “!Ka/’yand” é o equivalente de “parte inferior”, ou “número (mais) baixo” ou ainda
“primeiro passo”. Para !Ka/’rund, se for Kalûnda, significaria também “local de amizade” (país das origens). E finalmente Xi/’hume que Maria Mulala pronunciou algumas vezes como Xi-khûmbe e
indica “as terras abandonadas”, isto é, por ter sido enterradas nelas mais de quatro “reis”.
Nossa informante côkwe (com ascendência herero) Maria Mulala não apenas desconhecia o sentido de !Ka/’hungu, como também evitou mesmo aventurar-se em qualificá-la como outra forma de !Ka/’rung.
“São duas coisas totalmente diferentes”, assegurou ela. Curiosamente, as semânticas indiciam que sejam sinónimos. E as tradições convergem constantemente os dois topónimos.
Em kikôngo, de modo semelhante, encontramos esses mesmos topónimos, embora com significados ligeiramente diferentes. Kangûndu deriva de Ka, prefixo locativo e de ngûndu, tendo geralmente como
sentido um “poço cheio de água” e designando culturalmente a família de Kiñzînga (linhagem da Mãe-ancestral). Kayûndu e Kalûnda apontam “lundu nyi Senga”, isto é, o país das origens.
2) Huíla: Vikungo (!Kung?), Chipindo (Ji/’hindu) ou Dinde, Bambi, Ngôla, Kasinga (!Ka/‘jing), Kuvângu,
Kapunda, Chiange (Ji/’hang) e Mulonda.
No elenco destes poucos topónimos contamos com a colaboração do nosso jovem informador e poliglota
(Ver as fontes primárias kôngo). A primeira ocorrência, Vikûngo, pode ser desmembrada da forma seguinte: o prefixo locativo Vi (Chi, Ji; Ki), e o sufixo Kungu que significa aldeia, família
materna ou ainda a terra mãe. Aí habitam populações com características próprias aos !Kung e Hereros. Aliás, Cadornega falava de Hila pormenorizando que ele constitui um conjunto de populações
com línguas difíceis de entender. Os “Mucuvale” de Cipîndo pronunciam-no como “Xi/’hind”, que tradicionalmente teria sido a “terra da justiça (?)”. Na região existem “montanhas abandonadas”
consideradas pela tradição local como antigos “locais de justiça”.Encontramos em kikôngo um sentido equivalente na expressão Kimpînda, cujo significado é “país de interrogações”. Kasînga também é
kikôngo, assim como Kavângu.
Extratos do livro: A origem meridional do Kongo