Por Dr José Carlos de Oliveira.
Sentimos aqui a necessidade de dar um primeiro esclarecimento quanto à área dominada pelas elites zombo. A povoação comercial do Kibokolo
nunca foi atacada. Houve de facto uma cena de tiros, cerca da meia‑noite de um dos dias finais de Março de 1961, em que se pensou que umas luzes que se aproximavam, vindas do lado do Mavoio,
seriam a linha da frente dos guerrilheiros da UPA. O que se passou, na verdade, foi que os mineiros da Empresa do Cobre de Angola que viviam na área, também muito amedrontados, traziam os seus
gasómetros acesos e levantados ao alto, sobre as suas cabeças, a fim de avisarem os residentes da povoação comercial da sua presença. Os residentes assustadíssimos atiraram em direcção às luzes e
tudo não passou disso. Porém, a coberto da noite, eram arremessadas pedras para cima dos telhados e ouviam‑se assobios que deixavam os nervos dos residentes europeus em frangalhos.
Pelo que afirmámos anteriormente, nos primeiros tempos, a UPA deixaria o corredor de Maquela do Zombo, Damba e Camabatela, livre de ataques,
por interesses estratégicos.
Devemos acrescentar que, por volta de Junho 1961, justamente em Banza Pette, a povoação que delimitava o concelho de Maquela do Zombo,
pertencente ao concelho da Damba, houve uma enorme concentração de gente da UPA que se dirigia para o ataque à vila da Damba. Esta aglomeração foi detectada pela aviação civil da D.T.A. As
autoridades militares, em Maquela, foram avisadas via rádio (como as comunicações eram em AM, os aparelhos de transmissão‑recepção da UPA tinham acesso às conversas). Saiu então da vila, uma
coluna e aí sim, houve de facto confrontos. Um comerciante que acompanhava a coluna, caiu de uma das viaturas, refugiou‑se no ainda alto capim e esgueirou‑se, rastejando pelos seus tufos. A
coluna quando regressou a Maquela deu por falta do comerciante, voltou atrás, sem grandes esperanças de o encontrar vivo. O espanto foi enorme quando chegados ao local da refrega e, nessa altura,
já sem vivalma por perto deram com o europeu gritando, em cima de uma árvore próxima da estrada.
Na defesa da povoação do Kibokolo tinham ficado oito pessoas, incluído o chefe de
posto. As mulheres já tinham recolhido a Maquela do Zombo, que, nessa altura, era um lugar aparentemente mais seguro.
Na dita povoação de Kibokolo, passaram‑se factos que, por serem quase inconcebíveis, merecem registo também aqui. A empresa do Cobre
de Angola usava petardos especiais para rebentamentos nas suas minas. Alguns desses petardos, talvez uns vinte, foram oferecidos aos ‘sitiados’ de Kibokolo. Com os petardos fabricaram‑se bombas,
aproveitando latas de leite da marca Nido de cinco libras. Colocou‑se, em cada uma, quatro petardos e preencheram‑se os espaços vazios com parafusos, porcas e cavilhas. Na ponta do
primeiro petardo colocaram‑se então dois fios de cobre fortemente unidos (fio para electrificar casas). Duas latas foram enterradas à entrada e as outras duas à saída da povoação, a uma distância
cerca de 100 metros. Os fios enterrados estavam, por sua vez, preparados para serem ligados aos bornes de uma bateria de doze volts colocada perto do rádio P 19 que o chefe de posto
tinha trazido quando abandonou o cargo, deixando ficar no posto alguns cipaios. Por volta de 15 de Maio, quando ocorre sistematicamente na região, todos os anos, a última trovoada, a povoação foi
abalada por um tremendo estrondo. As bombas tinham rebentado, um raio da dita trovoada tinha caído sobre elas. Em todas as portas e janelas bem como nas paredes ficaram as marcas dos pregos e dos
parafusos. A maioria dos vidros das janelas rebentou.
Teria este acontecimento sido responsável para que a povoação Kibokolo nunca tivesse sido realmente atacada? Estariam os responsáveis locais
do núcleo da UPA esperando que nos meses entre Março e Maio se resolvesse tudo? Talvez nunca se saiba.
Seremos o mais sucintos possível, esta dissertação não é seguramente dedicada à guerra colonial e mesmo estes testemunhos só os deixamos para
não sermos, mais uma vez, acusados de não falarmos sobre a guerra colonial tal como aconteceu com a nossa dissertação de mestrado, ‘O Comerciante do Mato’. Fica então o testemunho do
sofrimento que muita gente passou, de ambos os lados da barricada e das mazelas que nunca se livrou.