Por Dr José Carlos de Oliveira.
O Princípio do Fim do Comércio Europeu entre os Zombo (1960‑1961) 3.
Após a independência de Angola e com o gradual abandono das populações profundamente flageladas pela guerra civil e, mais uma vez, em direcção
às zonas fronteiriças da vizinha República Democrática do Congo que, como se pode perceber, pela descrição anterior era aberta durante a ocupação portuguesa tornou‑se território sem qualquer
controlo administrativo.
Como se compreendeu, pelas secções que se referem à ocupação portuguesa, os zombo pareciam ter perdido grande parte do seu prestígio
tradicional, e pior, parecia que o seu poder político se tinha esvaído. Tal não aconteceu. A aparente ausência de agressividade e astúcia submergiu, é importantíssimo que se diga, para que elites
muito selectivas se encontrassem, a um só tempo, em organizações e associações secretas mágico religiosas e políticas. Tudo isto, porque as lições recebidas pelos portugueses até finais dos anos
vinte do século passado, não eram já do conhecimento dos novos portugueses do Congo português de então. A noção que estes tinham é que os zombo eram atrasados, como aliás eram no seu entender,
todos os indígenas. Esta ignorância, permitia que se instalassem nas novas povoações comerciais (sem elas, a ocupação do norte de Angola não teria existido) vivessem e convivessem com as
populações nativas. Para que tal acontecesse aos mais cafrealizados já então tinham modificado a sua opinião acerca dos zombo. Este termo cafrealizados, foi usado por
Silva Cunha (1956:40,41) ao classificar os intervenientes no contacto de culturas, no seu livro Movimentos Associativos na África Negra:
“(…) Os efeitos de transformação traduzem‑se na adopção recíproca de usos dos grupos em contacto. Os mais típicos, porém, são os que
resultam da imitação pelos nativos primitivos dos usos dos civilizados. A esta imitação, que é a mais intensa e que produz a evolução cultural dos primitivos, dá‑se o nome de imitação de baixo
para cima.
A sua forma extrema é a «assimilação».
Opõe‑se‑lhe a imitação pelos civilizados de hábitos dos primitivos (imitação de cima para baixo). É muito menos intensa do que a primeira
e à sua forma extrema dá‑se o nome de «cafrealização» (…).”
Como já se referiu, neste capítulo, a imigração dos jovens portugueses orientados para trabalhar em terras zombo, após
a segunda Grande Guerra, não foi superiormente organizada, não fez parte de nenhum programa da administração colonial. Esses jovens, foram à aventura revitalizar o sangue português que, por lá,
ia criando raízes. A vila de Maquela do Zombo e a da Damba, recebiam a maioria dos jovens que vinham prestar o seu contributo de mão‑de‑obra no comércio da região zombo, nunca se perdendo de
vista que, na região da Damba, muito rica em café, habitavam alguns milhares de zombos, mais concretamente 12 000, como pode confirmar‑se pelas declarações de Hélio Felgas (1965:26) recebendo
também jovens metropolitanos para servir na agricultura das fazendas de café, conhecidas em todo o norte de Angola por Tonga.
Existia a indispensável personagem no comércio zombo, o kankita, mais propriamente, o pequeno funante
comissionista. No concelho vizinho da Damba, não se dava notícia dele. Presumimos que a falta da sua presença, tivesse a ver com a secular tendência, exclusiva dos zombo, para o comércio
entre fronteiras políticas. Comecemos por esclarecer que, no princípio do século vinte, não existiam comerciantes europeus estabelecidos no zombo, este comércio em pequena escala, (e já lá iremos
à definição) era exercido como dissemos pelos kankita. Os comerciantes instalados, no espaço zombo, rapidamente perceberam não ser boa política prescindir da sua prestimosa
colaboração de compradores/vendedores de fronteira. Portanto, o que à partida seria um problema de concorrência deixou de o ser. O kankita fazia parte das trocas nos zandu,
(mercados) e nas vatas, de uma maneira descontínua, ao passo que a loja do mato estava aberta todos os dias e, no mesmo local, era um mercado permanente. O zombo passava a ir e
vir nos dias que desejasse, para vender o que tinha de excedente e levar o que de imediato precisava.
Os kankita, também podiam ser apelidados de bufarinheiros, vendedores que vendiam de terra em terra e de porta em porta. Eram
relativamente pobres, carregando a sua modesta mercadoria às costas, apesar disso tinham, na economia da povoação a sua relativa importância, uma vez que preenchiam nas vata a rede de
abastecimentos. Esta personagem, era o ‘homem dos sete ofícios’ e acumulava por vezes a profissão de catequista, protestante ou católico, a de alfaiate, caçador e ainda agricultor. Esta forma de
estar na vida, permitia‑lhe vagabundear de terra em terra, visitando a família e assistindo aos mambu, resultando daí o espírito andarilho. Muitas vezes, eram obrigados entre a boa
mercadoria a levar também, o que os seus ‘patrões’ consideravam monos. Muitas vezes, migravam para lá dos territórios das suas kanda, aproveitando épocas de determinada colheita mais
rendosa.
Todos os autores que se referem aos zombo começam invariavelmente por os classificarem por inveterados comerciantes. Hélio Felgas que foi
governador de distrito da administração colonial (já citado) na década de cinquenta do século passado (1965: 34) não fugiu à regra e diz:
“(…) Ainda hoje a sua principal preocupação é vender e comprar seja o que for e onde for. Para isso deslocam‑se com enorme frequência,
ocasionando uma migração constante entre a sua terra e o Congo ex‑belga, em especial Leopoldville. É talvez por isso que os bazombos formam o maior núcleo estrangeiro na capital congolesa
(…).”
Segundo algumas informações fidedignas colhidas, em 1991, aquando da nossa penúltima visita a Angola, e que só não identificamos a fonte, por
dizerem directamente respeito a pessoas ainda hoje vivas, a última colheita de amendoim, feijão e milho (1960), já não se devia ter processado como habitualmente. Os zombo, do lado de lá da
fronteira, tanto pelo caminho que levava ao posto fiscal da Kimbata, como o que se dirigia a Kinsantu, com acesso pelo posto fiscal de Banza Sosso, já estavam a preparar‑se para que os
comerciantes Belgas não usufruíssem dos lucros da sua prestação como intermediários, assim como não tencionavam liquidar as dívidas dos últimos produtos comprados e apontados, pelos mesmos, nos
seus livros de fiados.
Os comerciantes de Maquela do Zombo que atravessavam a fronteira, pagando as devidas taxas aduaneiras de um lado e de outro da fronteira, não
conseguiam ligar a razão pela qual os zombo do lado belga lhes continuavam a saldar os seus compromissos, embora com ligeiro atraso.
Curiosamente, os zombo de Angola, nesse ano de 1960, faziam encomendas acima do normal. Este acima do normal, cifrava‑se em aproximadamente
50% a mais nas compras habituais. A ganância dos comerciantes para venderem quanto mais melhor, permitiu aos zombo acumular exageradamente o crédito concedido. Alguns comerciantes que faziam
viagens com frequência a Kinshasa sentiam a instabilidade. Estavam a vender anormalmente catanas (as célebres machete belgas) sal, petróleo, fósforos, cobertores, medicamentos, pregos,
muito peixe seco e curiosamente estavam a vender menos enxadas.
Repentinamente, começou a vender‑se mais sal, catanas, muito petróleo, fósforos, medicamentos, muitos pregos, cobertores, peixe seco e
curiosamente também mais enxadas. Enfim, os negócios eram inusitados, e tudo por conta da colheita (de 1961) do amendoim, do feijão e de algum café. Verificamos também alguma falta de controlo
dos clientes habituais ao não procederem conforme era seu hábito em vigiar os valores que os comerciantes lançavam nas suas contas em seus livros.