Por Dr José Carlos de Oliveira.
O Comerciante do Mato, Sucessor do Funante (2)
Não estaremos muito longe da verdade, se atribuirmos ao ciclo da borracha o declínio da importância dos Zombo, na economia da zona,
uma vez que, a norte da sua zona os belgas já tinham muito boas infra‑estruturas rodoviárias e ferroviárias para a época, e a administração portuguesa da área envidava os maiores esforços para
completar as suas rodovias. A deslocação de mercadorias em camionetas foi, por mais paradoxal que pareça, o factor que determinou o declínio económico dos Zombo e das suas Kibuka
(caravanas). Interligado a esse declínio, esteve o custo do transporte de mercadorias e a logística necessária a uma caravana de longo curso, desde o angariamento de carregadores aldeia por
aldeia, dos quais faziam parte muitas vezes mulheres e crianças, sujeitando‑se à extrema dureza do percurso de centenas de quilómetros que duravam meses a percorrer. As cargas tornavam‑se
insuportavelmente pesadas, muitas vezes os carregadores caíam para não mais se levantarem, exauridos pelo cansaço e pela fome. Depois era o regresso com outras tantas cargas… Nos carregadores
mandavam os donos das caravanas, nos novos meios de transporte não. O novo comerciante do mato podia fazer maior armazenamento, é certo que o seu armazém não passava de um cubículo, mas podia
armazenar uma tonelada de borracha. É certo que o seu crédito junto dos armazenistas grossistas dos grandes meios (Matadi ao norte, Ambriz ao sul e Luanda ainda mais ao sul) não seria grande, mas
era maior e provinha, essencialmente, da regularidade com que cumpria os seus compromissos comerciais, coisa a que o Zombo, ainda hoje tem dificuldade em se adaptar. Não é porque não
compreenda a filosofia comercial actual, mas porque adora subverter a ordem dos factores.
O que nos interessa, por agora, é procurar perceber que tipo de métodos comerciais, trouxeram estes novos intervenientes, no nosso caso,
aprendizes do comércio do mato e que se estabeleceram entre os Zombo. O facto da nossa dissertação de mestrado, O Comerciante do Mato (2000), se dedicar com pormenor ao assunto,
não implica que não enriqueçamos aqui o tema, uma vez que, o que agora está em causa, não é o ponto de vista do comerciante do mato português, mas a forma como os Zombo se foram gradualmente
integrando entre aqueles que vieram praticar o comércio e exercer a autoridade comercial.
O novo comércio trazia consigo a mola real, o dinheiro, a moeda, o novo pagamento de salário, mesmo que ele fosse pago aos minkity ou
kankitas, como comissionistas logo após a conferência dos produtos já transaccionados. Muitos destes homens, não conseguiriam a desvinculação ao agregado tradicional se não fosse o
pagamento do seu salário em dinheiro. A sua vontade de adquirir muitas cabras (no caso dos Zombo) estaria ao seu alcance, como estariam os panos do Kongo, para conseguir o almejado
alembamento para a futura mulher. Passaria a pagar tudo em dinheiro, podia desobrigar‑se dos serviços comunais derivados da solidariedade para com o clã. A partir daí, poderia
tentar viciar todo o ancestral processo social.
Não se pense que foi só o Zombo a ser afectado pela penetração da economia monetária na Zona da Fronteira. Todos, absolutamente todos os
intervenientes passaram a ter que equacionar esta nova e contundente forma de trocar produtos, de troca de influências, homens, mulheres e crianças. Ninguém escapou ao sistema mágico de uma moeda
chamada “Pata” simplificação de Palata, por sua vez, corrupção de moeda de prata e que vinha substituir a Macuta.
Comecemos por nos aproximarmos da noção do valor mais recente da macuta, uma vez que, sobre esta moeda demos pormenorizada informação
aquando da secção Contribuição para o Reino do Kongo. Modernamente, a primeira noção que temos do valor da macuta e não a podemos confirmar a não ser o que a respeito retivemos
na nossa memória, quando, por volta dos dez anos de idade, íamos até à praia do Bispo. Era uma zona piscatória e fronteiriça ao morro por onde se subia para a “cidade alta” ou seja a zona do
palácio do governo‑geral em Luanda. Aí, em contacto com os meninos da praia do Bispo e mesmo da Samba, praia piscatória com bairro do mesmo nome, que aliás se dividia em Grande e
Pequena, dizíamos nós então, que o pano em que se envolviam os pescadores (da cintura aos joelhos) se chamava macuta, o que nos leva a supor que teria sido na época das macutas
que o pano teria sido adquirido pela primeira vez.
O primeiro sinal vem‑nos da Encyclopédia Portuguesa Illustrada, de Maximiano Lemos (1900‑1909)6, porém era o
velho termo para designar também, entre os Zombo, os panos com que iam comerciar às terras de Macuta, para os lados dos Yaca. Como a moeda tinha deixado há muito de ser em
prata, passando a ser cunhada em cobre, já no século XX, os Zombo, não lhe reconheciam valor, a moeda teria que ser cunhada em prata, daí que ainda hoje usam o termo pata para contarem
dinheiro. Afinal eles é que eram os mais entendidos em questões cambiais, estando aqui incluídos, belgas, portugueses e todos os outros povos da etnolinguística Kikongo.
Foi com este aliciante fácil e eficaz processo de troca, de meio de pagamento, a que os Zombo aderiram ao serem angariados para a construção
das novas Nzil’a, as estradas carreteiras. A obrigatoriedade da construção de novas vatas junto às picadas, ou sejam os novos trilhos, umas vezes aproveitando as
nzil’a, outras vezes, seguindo o traçado de novos percursos impostos pelas autoridades portuguesas, não causaram grandes constrangimentos. Se por um lado, estavam mais expostos ao
controle português, por outro lado, a forma como o seu comércio era beneficiado no que se refere ao transporte das mercadorias, deixava em paz os homens saudáveis para a prática da caça, do
comércio e da agricultura.
Com a colaboração de Associação dos Bazombos "Akwa Zombo, AKZ"