Por Dr José Carlos de Oliveira
De uma coisa estamos certos, tal como o título da tese o indica, este estudo tem em vista analisar, sintetizar e adicionar, com o maior rigor possível, aos estudos sobre os zombo, já
anteriormente publicados (sendo esses raros), documentos factuais histórico-sociológicos e sócio-culturais que se foram prolongando no tempo e incidem ainda, no presente próximo, de forma a
entendermos o progressivo comportamento das populações envolvidas com o grupo, ao longo dos tempos. Estamos empenhados em conseguir discernir sobre as motivações de uns e de outros, usando para
isso memoriais de conhecimentos fundamentais como a linguística e, simultaneamente, relatos testemunhais de gente importante e de gente simples, por serem testemunho directo, por vezes,
acompanhados de fotografias. Finalmente, utilizaremos os conhecimentos técnico-científicos que o assunto requer. Podemos comprovar, com um simples exemplo, a necessidade de recorrer à metodologia
referenciada acima, a algo que Harry Johnston escreveu: “The descendant of the Lunda chief who thus established a sort of monarchy amongst the Bayaka with its title of “Mwene Puto Kasongo”
(Kasongo, the lord of the Portuguese) was known as Kiamvo or Kiafmu (…).” acrescentou, muito a propósito que, Kasongo queria dizer “blacksmith” ou seja ferreiro, (mão de ferro) homem de ferro e o
termo existe hoje ainda, no vocabulário Luba.4 No nosso entender, o Kiamvu faria saber, ‘aos quatro cantos do seu mundo’, que os portugueses eram intocáveis, estavam sob a sua
estrita protecção. Por outro lado, o seu poder era enorme e isso teria a ver com a sua capacidade mágica de fundir metais (entre eles o ouro). Naquelas zonas de invulgar riqueza em cobre, existe
sempre uma percentagem, mais ou menos interessante de ouro. Os comerciantes e exploradores ocidentais estavam muito atentos a estas sensíveis questões. Por outro lado e simultaneamente, sabemos
que entre os kongo, o termo mubire tem a ver com os ferreiros cirurgicamente escolhidos, pelos portugueses aquando da fundação e arranque da siderurgia “Nova Oeiras”, em Angola, no século XVIII.
Como dizíamos se procurarmos atentamente, vamos encontrar correlações entre os termos kikongo munto ambi e mubire, ‘homem mau’, expressão que designava todos os grandes ferreiros conhecidos. Mas
há mais, como podemos ler, Johnston chamalhes kiamvo ou kiafmu. O Dicionário Complementar de Português Kimbundu-Kikongo do padre António da Silva Maia, salienta para: “senhor da terra” – mfumu ia
nsi e para Senhor Deus dos Exércitos – Onfumu Nzambi ia Makesa. Finalmente, acrescentaremos que, os grandes caçadores (capazes de encantar as suas presas no sentido estrito de se aproximarem
delas, quase a ponto de lhes tocarem) eram lembrados ainda, nos anos setenta do século passado, por kasongo – este termo aproxima-se muito de kasengo5. A nossa advertência vai
para o cuidado que se deve ter ao serem interpretados termos fora de contexto. Mais tarde, e em altura oportuna, voltaremos a este assunto.
4 JOHNSTON, Harry (1908) George Grenfell and the Congo. Hutchinson & Co. Londres, p. 195
5 Oliveira, José Carlos (2004) De Caçador a Guerrilheiro, o meu amigo Kasengo. Revista Militar. 2425 e 2426: pp. 243-255
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Mapa nº 1 - As chuvas na África Equatorial, escala de 1 :25.000.000: 1. Precipitações de menos de 500 milímetros3; 2. De 500 a 1.000 milímetros3;3. De 1000 a 1500 milímetros3; 4. Mais de
1.500 milímetros3.6
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Esta região africana, do ponto de vista ambiental, é caracterizada por ecossistemas da floresta tropical da bacia do rio Kongo ou Zaire7 e dos seus afluentes, com grande
produtividade bruta. Abrimos aqui um parêntesis para acrescentar que rio Zaire ou N’Zadi é conhecido por ser ‘o encontro das águas’, porém, o que está em causa, é o significado que a palavra tem
para os kongo. Esta expressão subentende os rios que fazem esse encontro, por exemplo, o rio Nkisi (‘o dos espíritos’) ou o Kuango (‘o da força da vida’) fazem parte do grande Zaire. Regressando,
ao estudo do meio ambiental, verificamos que a evapotranspiração (soma da quantidade de água transportada pelas plantas e evaporada pelos solos) tem um papel muito importante no ciclo da água
sobre os continentes. No caso da floresta do Kongo, pode-se comprovar que a maioria dos fluxos de águas pluviais é assegurada pela evapotranspiração, de sorte que, a bacia do Kongo vive quase em
economia fechada.
6 Blache, Paul Vidal et L. Gallois (1927-1948) Les conditions naturelles. Géographie Universelle. A. Colin. Paris. Tomo XI (2),p. 19
7 Zaire ou ainda Nzadi, porque o consideraram e bem, os seus habitantes que ele fosse ‘o encontro das águas’, aquilo a quenós chamamos afluentes e confluentes.
O sistema pluvial da bacia do Kongo ou do Zaire reparte-se com as seguintes médias anuais: em primeiro lugar, as zonas de precipitação inferiores a 500 mm3, em segundo lugar, as zonas de
precipitação de 500 a 1.000 mm3, em terceiro lugar, as de precipitação entre 1.000 e 1.500 mm3 e, finalmente, as zonas com precipitação além dos 1.500 mm3. Todos os fenómenos de tal abundância de
chuvas encontram a sua explicação, em relação à sua situação geográfica, face ao Equador e à distância do oceano Atlântico, não esquecendo os regimes de pressões e ventos com a zona relacionados.
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Mapa nº 2 - África equatorial; Carta das formações vegetais. Escala 1: 15.000.000. (1. Floresta virgem, 2. Espaço dos planaltos de savana; 3.Estepes com Matas arbustivas esparsas; 4.
Estepes pobres e sem árvores; 5. Vegetação de pântanos; 6. Limites da área de extensão de palmeiras de dendem; 7. Limites das grandes plantações de Bananeiras) 8
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A floresta tropical húmida do Kongo tem uma superfície de mais de 1.500 quilómetros2, exigindo condições de vida muito particulares e drasticamente imperativas. As árvores são de proporções
gigantescas com lianas entrelaçadas, por vezes em terrenos pantanosos, chegando a atingir 60 metros de altura, frequentemente encostadas umas às outras, sendo conhecidas mais de 3.000 espécies.
As palmeiras, especialmente, a que fornece o vinho [raphia vinífera], bem como a que fornece o óleo de palma, a [Elaeis guineensis] e ainda, a bananeira fazem parte da dieta das populações
humanas e não só. Por todo o lado, transpira a humidade, sendo considerada uma ‘floresta-esponja’, assim designada pela força brutal da evapotranspiração. De manhã, erguem-se densas brumas do
solo saturado de água, as trovoadas são breves, mas chove quase todo o ano.9
8 Blache, Paul Vidal et L. Gallois (1927-1948) Les conditions naturelles. Géographie Universelle. A. Colin. Paris. Tomo XI (2)
9 Blache, Paul Vidal et L. Gallois (1927-1948) Les conditions naturelles. Géographie Universelle. A. Colin. Paris. Tomo XI (2)
As características mencionadas são as suficientes para limitar profundamente a vida humana: os raios de sol pouco penetram na imensidão de folhas até chegarem ao solo, dificultando por isso
tremendamente a adaptação do organismo humano para além da visão indispensável às deslocações nestas circunstâncias. A vida humana está assim envolvida por uma precariedade semelhante (em termos
opostos) à vida no deserto. Como sabemos, a aclimatação dos seres humanos passou, ao longo de milhares de anos, por modificações fisiológicas, nas novas condições ambientais dentro dos limites de
tolerância – temperatura e água.