Por Dr José Carlos de Oliveira
Os fundamentos políticos, sociais, económicos e culturais que se descrevem a seguir, pretendem suportar o enquadramento histórico-sociológico das comunidades humanas, sucessivamente implantadas, ao longo dos tempos, na Bacia Convencional do rio Zaire. Estes conceitos encontram explicação em termos de geografia humana, na antropologia cultural e social, vivida nos espaços das margens do grande rio, estando incluídos os seus afluentes e principais confluentes. Os contactos resultantes dessas aproximações impuseram, acima de tudo, às nações colonizadoras ocidentais, tremendos esforços de adaptação ao meio natural e social. Assim, as conclusões a que as potências colonizadoras chegaram, nos anos sessenta do século XIX, permitiriam um consenso geral para uma intervenção conjunta, embora a cada potência coubesse uma zona de intervenção específica.
De qualquer modo, existiu um acordo internacional que viria a facilitar a convivência, na zona da grande bacia do rio Kongo, referimo-nos à ‘Conferência de Berlim’ iniciada em 1884 e concluída em 1885. Existiram condições excepcionais de convivência comercial nas zonas exclusivas de trocas e intervenção política. Com estes pressupostos estava a começar a escrever-se a história pós moderna dos países africanos que saíram ultimamente da esfera colonial da Inglaterra, da França, da Bélgica, de Portugal e da própria Alemanha.
Neste mundo económico, em que vivemos, nada é estático mas, em alguns lugares, como é o caso de África, os condicionalismos estruturais foram e ainda são avassaladores. Segundo a opinião de Arnold Toynbee, destacada por Andrew Kamarck (1971:23) este continente começou a atrasar-se materialmente há muitos séculos: ” (…) O deserto ao norte, as cataratas junto à foz de rios, que impediam a navegação, isolaram os africanos e privaram-nos da mescla de povos que produz civilização. O resultado é estarem atrasados cinco mil anos e a pagar o preço disso. Penso que os africanos são tão competentes como qualquer outro povo, e cinco mil anos são, na verdade, pouco tempo, mas os africanos têm uma grande distância a recuperar (…)”. Os factores que consideramos mais relevantes, descrevê-los-emos, de seguida, tecendo a seu respeito as considerações que julgamos serem convenientes:
A Sucessão
Em África, de uma forma geral, o líder deverá ser sempre um homem e, por uma simples razão, é que a implantação demográfica, no continente africano, baseou-se num fenómeno ainda hoje evidente e que repousa na teoria da conquista e da submissão de outros povos por via militar. Trata-se também de um fenómeno de sobrevivência, definindo, duma forma geral, todos os povos que habitam África como povos continentais e, por isso, guerreiros, tanto os que habitam a África branca como os que habitam a África negra. Os contactos eminentemente guerreiros são, ainda hoje, para esses povos, um modelo de afirmação. Esse processo migratório e de povoamento, fundamentou-se na conquista de um território e na submissão de povos que já o habitavam.
Existem povos mais guerreiros outros menos mas, de uma maneira geral, a força física e a astúcia são os elementos prevalecentes da filosofia comportamental de todos os povos africanos. Esta forma de vida trouxe consigo outro fenómeno, não menos importante, que se concentrou na filosofia existencial destes povos – a ideia de independência e de autonomia, transformando-os, de uma forma geral, em povos endocêntricos: vivem a vida para dentro de si próprios e é, com base exactamente no fenómeno conquistador e na preservação do seu grupo, que a questão da sobrevivência transforma-os em seres autónomos e independentistas, não lutando pela independência dos outros, mas pela sua própria. O povo zombo, como elemento constituinte do continente africano, não é excepção à filosofia da praxis acima descrita, bem pelo contrário, está na génese do reino do Kongo, o que verificaremos logo que seja adequado.
Em África, a sucessão tem a ver com o líder, podendo a liderança recair sobre um homem ou sobre uma mulher. Se recair legitimamente sobre esta última, existe a forte possibilidade da insurreição. Caso haja um homem para substitui-la, a eficácia do poder esgota-se. É de referir que, em África, designadamente na África negra, o que definimos por poder político é um poder originário, sem igual, na ordem interna, não podendo existir dois poderes iguais, senão anulam-se. O problema existencial é que coabitam, no mesmo espaço territorial, poderes semelhantes: um representa o ‘poder patrilinear’ e o outro o ‘poder matrilinear’, de origem uterina, protagonizado por líderes tradicionais, cujo domínio, na área onde ele é eficaz, tem a mesma preponderância que aquele outro poder que foi legado. Encontramo-nos face a dois poderes, que não são paralelos, não são divergentes, mas também não são convergentes. Assim, questionamo-nos quanto à tipologia desses poderes. Consistem em poderes que se combatem. Se fossem divergentes, poderiam eliminar-se um ao outro mas, neste caso, cruzam-se, transformando o território num espaço ingovernável. Portanto, a sucessão, que é um vector fundamental, tem de estar interligado com o fenómeno da liderança. O problema é que são aspectos fundamentais de milhares de povos de África, onde os zombo estão peculiarmente incluídos, e infelizmente de muito árdua resolução.
A sucessão está ligada a fenómenos sociais e políticos, sendo que quando falamos em fenómenos sociais, estamo-nos a referir à família, quando nos referimos a fenómenos políticos estamo-nos a ligar à questão do Estado e das instituições políticas menos elaboradas que o Estado, como sejam o poder difuso das aldeias e a chefatura. Se a sucessão recai sobre um homem diz-se que é patrilinear, se recai sobre uma mulher trata-se de uma sucessão matrilinear. A própria vida, o fenómeno humano é o responsável pela evidência destes dois tipos de sucessão, mas não os trabalhou nem os elaborou por conveniência, foi o modelo de vida, foram as necessidades que obrigaram a definir estes dois tipos de sucessão, tendo em conta que no continente africano (excepção feita à ilha de Madagáscar, onde o líder é sempre uma mulher e a origem do seu povo é Polinésica) todas as sucessões são patrilineares e, tanto na sua componente insular como na componente continental, o líder é sempre um homem. Todavia, qual o motivo de ser sempre um homem? A razão é simples: a implantação demográfica, no continente africano, baseou-se num fenómeno que ainda hoje é evidente, na já mencionada teoria da conquista e da submissão de povos que já habitavam esse território.
Essa busca de novos espaços, protagonizada pela via militar, era também um fenómeno de sobrevivência definindo, de uma forma geral, todos os povos que habitam África, aqui a guerra é um modelo de afirmação do indivíduo, a ancestralidade da sua implantação em determinado local teve como origem esse tipo de conquista, onde a força física e a astúcia foram e são elemento essencial do comportamento dos povos africanos.