Por Dr José Carlos de Oliveira
Vamos então ao tema que aqui nos trouxe:
Nessa personagem está incluída a sua alma Ngo: a “alma, a sombra, a força vital do caçador” está impressa na sua crença pelo poder do genoma do leopardo
(Ngo).
Entre os objetos
sagrados encontra-se um símbolo primacial dos caçadores Kongo a bolsa, nkutu. O nkutu era antes de tudo o seu atributo mágico. Era uma bolsa de fibras de ráfia ou de ananás, de fundo arredondado, com uma alça para se levar ao ombro
esquerdo. Cada caçador tinha a sua própria bolsa e era imperdoável que um mexesse na bolsa de outro, ou examinasse os objetos nela contidos; usavam-na para transportar tudo aquilo que lhe seria
necessário durante a jornada de caça. Os objetos transportados não eram, nem muito volumosos nem muito pesados. Do conteúdo do Nkutu faziam parte
artigos de caça, caixinha de rapé, folhas de tabaco, fósforos, mandioca ou noz de cola; enfim, mais uns quantos pós…Pode ser que essa bolsa, antigamente fosse uma aljava (bolsa para transportar
setas), depois, com a introdução do fuzil e outras armas de fogo, o arco e a flecha foram deixados de lado, mas ainda no meu tempo assisti à sua utilização por pigmeus para matarem pequenos
roedores ou pássaros.
De uma maneira geral, todos os especialistas das ciências sociais ligados
aos assuntos africanos, digamos os africanistas, já ouviram falar do missionário António Barroso e da sua obra no reino do Kongo em finais do século XIX, são dele as seguintes palavras:
“Esta resumida resenha dos trabalhos missionários no Congo e especialmente em S. Salvador, trabalhos suportados com heroica coragem, mostra-nos que
esses trabalhos não alcançaram recompensa condigna. O cristianismo não penetrou fundo, passou como as chuvas torrenciais, que apenas humedecem a primeira camada deixando o subsolo ressequido e
estéril. É duro confessa-lo, mas é verdade; o cristianismo não assimilou o indígena e deixou apenas tradições da sua passagem entre as populações do Congo”
Fotografia do Autor então com 17 anos (1956) mercado Kengue do Quibocolo
Sobre
esta autorizada opinião passaram-se 130 anos, e os Kongo, na sua filosofia tradicional, continuam, em
termos religiosos, a pautar-se por um sincretismo que acompanha as suas necessidades acerca do transcendente. Embora tenham o Nzambi a Pungu
por fulcro (cuja tradução à letra é “ Há um só Deus” assentam a sua religião nos valores dos Nkisis e
Minkisis, (intermediários dos seus Bakulu) e especialmente nos Zombie.
NKISI, (Santo protetor) à entrada de duma Vata (aldeia)
Bazombo finais século XIX
Permitam a minha ousadia para a tradução livre (de minha autoria) dos termos supra
citados: Nkisi, terá vindo do prefixo Ki que na pagina 10 da Gramatica da língua Congo
de José Lourenço Tavares quer dizer línguas, o que subentendo por Vozes, mais propriamente A PALAVRA. De seguida, Nsi (Nxi) que o missionário António da Silva Maia traduziu
literalmente por Nação, ou melhor, Chão Sagrado. Quem faz a Nação senão os que já morreram, os que
estão vivos e os que hão de vir? Daí ligação destes termos ao Culto dos Antepassados. Que faz sentido faz... Quanto ao termo Minkisi, aqui o problema complica-se, mas vejamos: Mi, é o plural de mu, prefixo de Muntu, ou seja, Ser Humano. Se
assim é, os símbolos Minkisi, devem ser os representantes vivos dos ilustres antepassados.
Por último, e de uma forma
sintética, tanto os Nkisis como os Santos da religião católica são objetos ritualísticos conhecidos
pelos significados dos seus nomes e dizem respeito às suas origens. Os Nkisis dizem respeito à África ao sul do Saára e os Santos e outros ícones de
culto referem-se ao Cristianismo. A sua fabricação é ainda hoje feita com fins religiosos e conforme a sua especificidade são tratados com representantes do Sagrado. Os Nkisis ( neste caso digamos relíquias) também podem ser pequenos saquinhos com ingredientes básicos fornecidos pelos n’ganga para alguém que precise deles. Estes objetos são chamados de arte religiosa tradicional. Aliás, o objeto por si só não se torna a expressão do Sagrado sem a prévia atuação do Iniciado, tal como acontece com os objetos católicos,
aplicando-se então a Lei da participação de Levy Brühl. Quanto ao termo Ankulu Bankulu, todos sabemos que Ba, significa os filhos da Nação, e Nkulu tem, como significado literal pernas ; então quem são as pernas senão os pilares da nação ou sejam os antepassados? Finalmente chegamos ao
termo Zombie.
De uma forma geral está
na moda dizermos de alguém: “Fulano está fora de si, vagueia sem rumo”. Também julgamos saber que se
trata de um termo ligado à religião Voudu, com suposta origem no Haity e República Dominicana. Nada mais errado, o termo é de origem Kongo e ligado ao culto dos antepassados dos povos de Mbata região situada no Noroeste de Angola a que pertencem povos de
Maquela do Zombo. Aqui está: Zombie tem como prefixo Nzo
que significa Casa, e Mbi significa Maleficio, a que o
escritor angolano Óscar Ribas, profundo conhecedor dos fenómenos ligados ao Espiritismo, traduziu na
língua Kimbundu por Zumbi : alma de pessoa falecida recentemente,
num período não secular e ainda Canzumbi, alma de pessoa falecida, alma do outro mundo.
Nota
curiosa: existe uma máscara extraordinária no depósito do museu de antropologia de Coimbra que, ao peito, tem esta inscrição: Kanzobi, (não tenho a
certeza de ter escrito bem) só sei que o termo é Kongo e eu, tenho motivos justificados que garantem o que atrás foi dito.
Nota Final:
os puristas da grafia Kongo que me perdoem alguma incorreção ortográfica. Afinal, ainda estamos a contribuir para uma melhor redação. Isto
para não falar das formas de dizer e escrever o Kikongo dos muitos sub grupos sócio linguísticos ao longo dos últimos 100 anos.
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