Por Patrício Cipriano Mampuya Batsikama
O Kimpasi terá começado quando Ndona beatriz tinha entre 16 e 17 anos de idade. Sendo ela Nganga Marinda – conforme Bernado da Gallo – ela integrou-se ao kimpasi logo no início, assumindo mais
tarde a liderança do mesmo dois mbangala (anos) depois, determinada a restaurar a unidade do reino do Kôngo.
O surgimento do kimpasi ocorrerá ainda simultaneamente com a organização de um exercício religioso responsável pela restauração do milenar reino do Kôngo. Os padres Lorenzo da Lucca e
Bernardo
da Gallo foram os principais responsáveis por essa tarefa, e os que traçaram as metodologias e estratégias de actuação deste exército.
Para eles os problemas do reino eram causados pela disputa dos clãs kimulaza e kimpânzu pelo trono, e a solucão dos mesmos passava pela supressão desta disputa. A onda de assassinatos de reis e
outras
figuras proeminentes do Kongo, eleitos e não eleitos, representava um desafio que para os católicos urgia solucionar.
Como dissemos, a tarefa do Kimpasi era exatamente assegurar uma solução urgente para o caos em que se encontrava Mbânza-Kôngo, rotulada naquela época de cemitério dos reis. A intenção dos padres
em reestruturar o reino, posterior à solução kimpasi, não logrou qualquer êxito por causa da rejeição ainda prevalecente do catolicismo. Esta situação levou a emergência de grande
adversidade entre os católicos e os ancestralistas kimpasi.
O Kimpasi lembrava nostalgicamente as populações sobre o Nzil’a Kôngo, o caminho que os autenticos kongo deveriam seguir.
Com esta revolução do regresso às tradições no Kôngo renasceu também, de acordo com alguns autores, o apego ao fetichismo em detrimento do cristianismo romano.
Dona beatriz liderará esse movimento Kimpasi com muita sabedoria que sua popularidade rapidamente excedeu a dos seus adversários. Durante todo o tempo que liderou este movimento, o catolicismo de
massas conheceu grande declínio, com notável esvaziamento das missas dominicais rezadas pelos padres portugueses. Os sacerdotes passariam mesmo a ser ridicularizados com a expressão
“Kadyampêmba…” quando passavam pelas populações, isto é, “espíritos maus”.
Num estudo bastante abrangente e revelador Kabolo Iko Kabwita aborda as questões ligadas à religião católica no reino do Kôngo, de 1750 até 1838. Para este estudioso, em meandros do século XVII o
reino do Kôngo se encontrava em declínio, um período de grandes desordens que se elevaram com a morte de Dona beatriz.38 Para ele, a extinção do reino do Kôngo coincide com as primeiras duas
décadas do século XIX. Primeiro, porque surgiram na Europa novas Ordens que supostamente irão substituir aquelas das bulas Romanus Pontifex e Inter Caetera.
Segundo porque o poder marítimo fortalecia-se cada vez mais, tornando as navegações para África mais constantes com multiplicação dos interesses económicos e relações diplomáticas.
A extinção do reino do Kôngo será portanto uma consequência desses e outros factores, não obstante a manutenção de um “rei” no Kôngo até a eleição do último rei em 27 de Junho de 1962, Dom Pedro
Ne Mwânda. Mas a eleição deste último rei em pleno século XX não passou de um acontecimento simbólico, no qual o reino do Kôngo se transformara em uma realidade ligada à nostalgia do seu povo.
Mas a emergência de uma nova sociedade kongo, assimilada aos padrões dos colonizares, não derrotou a
esperança dos Kôngo ortodoxos que continuaram a sonhar com a “reunificação” dos descendentes de Mazînga.
Extrato do Livro: A origem Meridional do Reino do Kongo.