CONTACTO DE CULTURAS
NO CONGO PORTUGUES
ACHEGAS PARA O SEU ESTUDO.
Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS. (Administrador da Damba 1945-1953).
NAS INSTITUIÇÕES ECONÓMICAS
(Agricultura 1.)
Na agricultura é que o contacto introduziu inovações mais importantes e mais duradouras, revolucionando algumas delas a economia indígena, não só do Congo como de grande parte de África. É certo
que alguns desses novos elementos de cultura foram por nós também levados para outras partes da África onde nos fixámos ou estabelecemos relações comerciais, mas o Congo deve ter sido, durante
largo período, o maior centro de difusão, devido não só às características de que se revestiu nos primeiros tempos a nossa presença na região, como ainda à circunstância de S. Salvador ter sido o
principal núcleo donde irradiavam as caravanas comerciais que internavam pelos sertões dentro, em todas as direcções.
Algumas das plantas que introduzimos foram levadas da Metrópole ou das ilhas adjacentes, mas o maior número e as que mais facilmente foram aproveitadas e difundidas foram precisamente aquelas que
fomos encontrar na América e que de lá levámos para a África.
Nunca será assaz realçada esta característica da expansão portuguesa, este papel de difusor de culturas que a Portugal coube, esta faceta da nossa actuação que nos levava a aproveitar os
elementos úteis que encontrávamos nas diversas culturas locais e a transplantá-las para distantes regiões onde as condições ecológicas eram propícias à sua propagação . Logo nos primeiros tempos
se manifestou a preocupação de experimentar e difundir no Congo os géners agrícolas da Metrópole. Da lista das coisas que D. Manuel enviou par o Congo nos barcos da frota que conduziu Simão da
Silva, em 1513, constam também “enxertos de várias árvores, sementes de linho galego, trigo, cevada, caroços de pêssego, amêndoas, avelãs, castanhas verdes, de hortaliças ( couves, alfaces,
feijões, melões, abóboras, cebolas, pepinos, alhos, etc. )
Devido ás condições climáticas, algumas destas espécies vegetais não vingaram, como hoje não vingam, mas outras nasceram, reproduziram-se e passaram a ser cultivadas. Pigafetta dá disso
testemunho: “AS hortas produzem toda a espécie de erva e de fruta, a saber: melões, melancias, cogombros, abóboras, couves, e de tias ervas e mais que não medram nos nossos climas da Europa”
Árvores de fruto cultivadas em Portugal e levadas para o Congo, só as laranjeiras, limoeiros e cidreiras se devem ter adaptado. As duas primeiras ainda hoje abundam, mas a cidreira perdeu-se.
Gossweiller diz ter encontrado alguns pés nas hortas de Moçâmedes no principio do século e que uma outra variedade se cultivou em Luanda, durante cinco naos, nos terrenos anexos à repartição de
Agricultura. No entanto, no tempo de Duarte Lopes era cultivada no Congo, como afirma Pigafetta : 2 As árvores também são diversas, e produzem bastíssimos frutos , em tanto que a maior parte do
povo se nutre de fruta da região, como Cidras, Limões, e, em particular, de laranjas, saborosíssimas, que não são nem doces nem agras, e se comem sem nocumento. E contava o dito Senhor Duarte
haver visto, (para demonstrar a uberdade da terra), que de uma semente do fruto da cidreira, conservada na polpa e na pr´ppria cidreira, em quatro nascia o olhinho”
A expressão “fruta da região” parece indicar que Pigafetta suponha que as laranjeiras, limoeiros e cidreiras eram autóctones do Congo. Porém, parece estar averiguado que a introdução da
laranjeira em África Ocidental a nós se deve, fazendo-se a reprodução por semente ( “Segundo A Engler, Die Planzenweld Afrikas, foram os portugueses que levaram mais tarde a laranjeira cultivada
de Portugal para África, que foi reproduzida por emente).
Quanto ao limoeiro e à cidreira, o mesmo se deve ter dado, pois nenhuma destas plantas é originária de África. Além disso, se fosse autóctones, ainda hoje se encontravam com frequência,
disseminadas pelos matos, o que não sucede. As cidreiras desapareceram, os limoeiros são raros e as laranjeiras não estão muito espalhadas, e as poucas que existem, sobretudo nas imediações das
sanzalas, não são espontâneas mas sim de plantação. Mas temos também o depoimento de Cavazzi, que atribui aos Europeus, seguramente os Portugueses, a introdução no Congo das laranjeiras,
limoeiros e cidreiras. Vamos transcrever o período inteiro, pois nele está contida uma outra informação muito curiosa:
“Di arranci, di limoni, di cedri e d’altre variatà di agrumi introdotti dagli Europei diremo solo che vengano belissimi e regogliesi, come vengono ugualmente le viti frutificando due volte
l’anno, se tengono al riparo, cosa che avviene nei nostri ospizi. La corona del Portogallo non ne promueve guari la coltivazione ad avitare, credo, l’ubbriachezza di gente sciporata qual’é la
negra”
Antes de conhecermos este passo, supúnhamos que a videira só há poucos anos tinha sido introduzida pela primeira vez no Congo e, afinal, já no século XVII ela já tinha existido e vegetado em
excelentes condições, como aliás hoje sucede. Continua a frutificar duas vezes por ano, se houve o cuidado de a podar na devida altura. Com o abandono foi votada a cidade de S. Salvador após a
saída dos missionários, no século XVIII, devem- ter-se perdido as videiras que ainda por lá existissem.
Quanto à razão que levava a coroa portuguesa a não fomentar a cultura da videira, achamos que a invocada por Cavazzi não é aceitável. Parece-nos que ela não se desenvolveu naturalmente, porque os
portugueses que nessa altura viviam no Congo não se dedicavam à agricultura e porque aos indígenas não interessava por deficiências de ordem técnica. Não possuíam as vasilhas necessárias para a
preparação e conservação do vinho e não sabiam fabricá-las. Nunca devemos esquecer de que qualquer cultura só aceita e outros os elementos que, dado o seu condicionalismo, pode aproveitar. Se os
Congueses não possuíam já uma ou mais bebidas embriagantes, de preparação fácil, diária, e que não demandavam, portanto, vasilhas especiais, talvez vencessem as dificuldades e aceitassem a
inovação. Mas tinham pelo menos o malavo tradicional, que a toda a hora podia manar dos troncos das palmeiras para as cabaças e, destas para as goelas sequiosas.
Continua…(agricultura)
Texto enviado por Artur Méndes.