Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS. (Administrador da Damba 1945-1953).
CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE CONGUESA
ANTES DO ESTABELECIMENTO DO CONTACTO
As obras dos nossos cronistas, fornecendo-nos elementos sobre o estabelecimento das relações com os povos do Congo, alguns um tanto fantasistas e ingénuos, são muita parcas em referências às características da sua cultura. Informações preciosas começam a surgir, no final do século XVI, em escritos de missionários e sobretudo na admirável” Realtione del reame di Congo et delle circonvicine contrade”,redigida por Filippo Pigafetta com base nos escritos e descrições verbais do português Duarte Lopes e editada em Roma em 1591.
Duarte Lopes era cristão – novo e foi para Banza Congo, futura cidade de S. Salvador, em 1579, onde se dedicou ao comércio. Conquistou aconfiança do rei D. Álvaro I, que o fez fidalgo e o encarregou de uma embaixada junto de Filipe II e do Papa. Foi durante o desempenho dessa missão que se relacionou m Roma com Filippo Pigafetta e lhe forneceu os elementos que o habilitaram a escrever aquela “Relação”.
Descobrimento da Foz do Zaire por Diogo Cão
(foto
Memórias de Angola, João Loureiro)
Tem também especial interesse a “História do Reino do Congo”, conservada na Biblioteca do Vaticano (Bibl. Vat. Codex Vat. Lat., n.º 12.516, fol. 103-160), ale de passagens diversas de
outros escritos de missionários e de cartas dos reis do Congo para o Papa e para os reis de Portugal. No final do século XVII (1687) foi publicada em Bolonha a “Descrizione Storica dei tre regni
Congo, Matamba ed Angola situati nell’Etiopia Inferiore Ocidental e delle Missioni Apostoliche eserercitatevi dai Missionari Cappuccini” escrita pelo padre capuchinho italiano Giovani Antonio
Cavazzi, que por duas vezes missionou no Congo (1654-1667 e 1670-?), e que é, sem dúvida, um valiosíssimo repositório de informações sobre as três regiões estudadas, merecendo especial atenção o
livro I, em que abundam preciosos elementos de carácter geográfico e etnográfico.
Todos estes escritos nos fornecem pormenores de real valia sobre a cultura tradicional dos povos do Congo e também das transformações que nela se foram operando mercê das inovações por nós
introduzidas.
No que respeita às instituições económicas, as informações são tão completas que, através delas, se pode fazer uma reconstituição nítida do modo de vida das populações.
Quanto às instituições sociais, políticas e religiosas, se bem que abundem as informações, sobretudo na “Descrizione” de Cavazzi, não estão descritas de maneira a darem-nos uma visão exacta
da realidade, o que não é de estranhar. Ainda hoje são essas as facetas da vida indígena mais dificilmente apreendidas, sobretudo as últimas, já porque o indígena não gosta de se abrir sobre os
aspectos mais esotéricos da sua cultura, já porque os observadores, regra geral, não estão preparados para bem as compreender.
Vamos tentar descrever as características culturais da sociedade conguesa antes do estabelecimento do contacto, valendo-nos das fontes atrás indicadas quanto às instituições económicas e, no que
for possível, quanto às sociais, políticas e religiosas, completando a caracterização destas com o conhecimento que temos dos seus raços gerais que, que se mantiveram até aos nossos dias por
terem sofrido poucas alterações em contacto com a nossa cultura.
1º.
INSTITUIÇÕES ECONÓMICAS
No estudo destas instituições referir-nos-emos, de uma maneira geral, a todos os aspectos da economia, dando à palavra o sentido que lhe é atribuído por Wilhelm Koppers, isto é, o de “providência
usada metodicamente pelos homens, empregando conscientemente meios destinados a servir seus fins, no interesse do seu destino corpóreo”.
Trataremos portanto de apresentar os elementos coligidos na documentação indicada que digam respeito à alimentação, ao vestuário, à habitação, a técnicas diversas, à distribuição e
circulação dos bens e à organização do trabalho.
Em colaboração com João Garcia e Artur Méndes.
Zazimbar - Kimbangu