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Portal da Damba e da História do Kongo

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A Mentalidade Pré-lógica e a Lei da Participação no pensamento tradicional Kongo

Publicado por Muana Damba activado 25 Noviembre 2013, 02:45am

Etiquetas: #Fragmentos históricos do Uíge.

 

Por Dr. José Carlos de Oliveira

 

 

Jose Carlos de Oliveira l


 
Teorias ou factos? Prefiro os factos que suportam as teorias, muitas vezes não entendidas pelo leitor desconhecedor de certos factos ditos “irracionais”, porque simplesmente não fazem sentido face à nossa maneira de viver.
 
Embora tenha, por diversas vezes, já citado o conceito Zeitgeist, tenho aqui, mais uma vez, a oportunidade de apelar para a sua relevância, por se tratar da ideia do “espírito da época” ou “espírito dos tempos”, daí partirei para o estudo do fenómeno mágico-religoso Kongo que foi profundamente estudado pelos missionários especialistas de todas as potências coloniais, instaladas na Bacia Convencional do Zaire.
 
Começarei por lembrar que os Kongo estão absolutamente convictos das suas crenças e ponto final. Daí o solicitar aos leitores não preparados nesta área a maior benevolência e paciência para este particular.
 
George Grenfell na página 659 do II volume da obra George Grenfell and the Congo diz-nos isto: O mágico kongo representa o triunfo da mente sobre a matéria. É o representante terreno da astúcia e inteligência sobre a força muscular e a beleza física. O mágico pode ser o feiticeiro no entendimento português, reúne potencialidades hipnóticas sobre outras pessoas, quase inacreditáveis, e mesmo sobre a sua própria mente. Espalha as suas crenças de uma forma “maçónica” profundamente sigilosa. Acredita8 que tem poderes sobrenaturais ajudado por ritos estranhos, utilizando por vezes, métodos terríveis.
 
Sugiro que sigamos o pensamento de Arthur Ramos de Araújo Pereira, médico psiquiatra, psicólogo social, indigenista, etnólogo, folclorista e antropólogo. Evidencio que o que mais me aproxima deste autor são as comparações que podemos estabelecer, muito nitidamente, com os kongo através de três obras de sua autoria: O Negro Brasileiro (1934)9, O Folklore Negro do Brasil (1935)10 e finalmente Estudos de Folk-Lore (1951)11.
 
Dou a preferência ao citado autor, neste capítulo, para nos aproximarmos dos conceitos do profeta Simão Gonçalves Toco12 e da sua obra, dentro das igrejas cristocêntricas predominantemente existentes no Congo.
 
Se Arthur Ramos, em 1934, na obra ‘O Negro Brasileiro’, não receia debruçar-se sobre as propostas do pensamento de Lévy Bruhl, através do ‘método etno-comparativo’ sobre A Mentalidade Pré-lógica13 e a Lei da Participação e, com elas, construir o seu próprio pensamento, também eu, embora com ‘luvas de veludo’ mas mão firme e, apesar dos riscos inerentes à questão da Mentalidade Pré-lógica, onde estão sempre presentes os termos civilizado e o primitivo ou selvagem, expressões que nos obrigam a enquadrar o significado na linguagem da sua época, começamos por, acerca deste último conceito citar Ramos14 quando ele propõe:
 
“(…) É essa persistencia da mentalidade pre-logica que vem a explicar todos os factos de survival fetichista entre os negros bahianos de nossos dias. Em outro logar, procurei demonstrar que as praticas do curandeirismo, nos meios incultos do Brasil, revelavam a persistencia desta mentalidade pre-logica, ou como diz Bleuler, do “pensamento indisciplinado e autistico”. O “paganismo contemporaneo”, o folk-lore das sociedades adiantadas, evidenciam a persistencia destes elementos pre-logicos que podem coexistir ao lado dos pensamentos logicos.
 
Mas o pensamento logico não pode pretender supplantar inteiramente a mentalidade pre-logica. Os responsaveis pela cultura e progresso sociaes devem attentar bem nesse problema (…) ”.
 
Aqui temos uma achega bem forte para compreender o pensamento religioso e político Kongo e tudo mais que acerca deles tenho vindo a escrever. Porém, o outro pensamento que é a lei da participação15 vai entroncar no conceito mencionado acima:
 
“(…) A ligação das representações, no primitivo, foge, assim, às leis da logica formal. Ha nella, relações mysticas que implicam uma participação entre sêres e objectos entreligados nas representações collectivas. Lévy-Bruhl deu o nome de lei da participação ao “principio proprio da mentalidade primitiva que rege as ligações e as préligações destas representações”. Só com muita difficuldade apprehende a nossa mentalidade a significação desta lei, e, por esse motivo, torna-se difficil enunciá-la sob forma abstracta. (…)”
 
O exemplo que dou de seguida passou-se na área de Banza Congo, e é relatado por M. L. Rodrigues de Areia16 quando, a propósito da figura estruturante do sistema mágico religioso kongo, refere17:
 
“(…) Nos princípios deste século John Weeks18, estudando os Kongo, foi um dos primeiros autores a reconhecer que os nganga exercem uma acção benéfica, positiva, no seio da comunidade: «Eles (os nganga) libertam o povo dos maus espíritos e curam as doenças»19. A competência destes operadores benéficos viria, segundo o mesmo autor, do recurso à medicina tradicional e também do efeito psicossomático exercido pelas danças, cânticos e imprecações aos espíritos malignos, elementos que acompanham a aplicação dos remédios ritualizando a doença e a cura)20”.
A estas linhas de Areia posso, pelo seu valor documental, acrescentar o que o testemunho ocular do padre Alberto Ndandu21, em 1951, diz a determinada altura do seu relatório:
 
“Foi assim que neste dia pudemos encontrar ao longo do caminho do nosso percurso vários grupos de homens e mulheres, com os bébés às costas que iam consultar o afamado Nganga Ngongo. Na varanda de sua casa, feita de blocos, pudemos reconhecer algumas pessoas do Ngongo, acocoradas ou assentadas em troncos de árvores, à espera de serem atendidas. Atravessando o Mfwelesi e subida a montanha, eis-nos chegados à aldeia de Sadi-Kiloango. O escriturário Alberto que conhecia bem a aldeia onde havia estado várias vezes, e até no domingo anterior, disse-me: ‘É aqui. Acolá está a casa deixada por Simão Toco. Serve actualmente de templo da seita. (…)
 
Uma outra oportunidade para reflectirmos sobre o assunto desta secção apresentou-se-me, em 1995, com a satisfação de conhecer David José, estudante finalista de Sociologia, numa universidade de Lisboa. Tivemos longas conversas, aproveitávamos jantar e conversar. Entre cerca de trinta horas de conversa gravada, falamos da filosofia tradicional kongo e do fenómeno da possessão. David disse a certa altura:
 
Os tocoístas tiveram a possibilidade (paradoxalmente), uma vez que foram dispersados em pequenos grupos de ao “serem concentrados” enriquecerem todos os seus conhecimentos da vida. Em grupo, foram mais fortes que todos os outros grupos que conseguiram juntar o pai a mãe e os filhos. Nos seus cânticos sentiam e comungavam do mesmo tipo de sentimento e isso trazia-lhes alegria, ou melhor, parece que, desse modo, transbordavam o seu “ser” para o Além. É como que fossem possuídos pelo Espírito, é como se estivessem tão livres, tão à vontade, tão felizes que a voz lhes brotava com alegria. Talvez por isso, algumas pessoas às vezes levantavam-se a saltitar e um indivíduo estranho ao assunto, era capaz de ir a passar e, inadvertidamente, dizer que aquele fulano estava exagerar, porém o que estaria dentro de tal pessoa, é por o de fora do grupo ignorado, pensar-se-ia que estaria bêbado. Há até pessoas que ficam muito concentradas e são até capazes de saltar e bater em alguém. Nós podemos até dizer que de tanto saltarem perdem a atenção, mas geralmente a perca de atenção é também uma grande concentração. A minha filosofia é que quando vejo alguém na rua a andar e vendo o poste à sua frente vai lá bater. Nós dizemos que ele ia muito distraído, mas não! Eu sou capaz de responder que ele ia demasiado concentrado. As pessoas libertam-se, criam um mundo à sua volta, concentram o pensamento, estão tão concentrados que o que os rodeia não interfere em nada no que estão a fazer e no geral nós dizemos que as pessoas estão com falta de atenção (...)”
 
Por estas razões uma das obras que releio de vez em quando é O Despertar dos Mágicos.
 
…É preciso ver as coisas antigas com olhos actuais, o que nos ajudará a compreender o futuro…Já não estamos na época em que o progresso se identifica exclusivamente com o avanço científico e técnico…


 

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