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Portal da Damba e da História do Kongo

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Página de informação geral do Município da Damba e da história do Kongo


DAMBA,1945-1953 (6)

Publicado por Muana Damba activado 17 Enero 2011, 14:06pm

Etiquetas: #Fragmentos históricos da Damba

 

 Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS.(Administrador da Damba 1945-1953). 

 


PROCESSO DE MUDANÇA NA ESTRUTURA DOS MERCADOS 
 
Damba -Danças e cânticos 

 

Anos mais tarde, quando já exercia as funções de administrador do concelho, vim a encontrar nos mercados tradicionais a inspiração para a solução de um problema que me preocupava. 

 

Na Damba, a economia da população africana era do tipo agrícola, ultrapassando a fase de mera subsistência, pois havia pelo menos dois produtos já  com excedentes apreciáveis e que eram vendidos aos comerciantes europeus estabelecidos na sede do concelho e nas dos postos de Camatambo, 31 de Janeiro e Bungo Tratava-se do amendoim e do café. Para as populações residentes nas cercanias daquelas povoações, a venda dos produtos era fácil, mas para as dos sobados mais distantes era deveras penoso o seu transporte a dorso, muitas vezes por estreitas e mal andamosas veredas, apertadas entre altos capinzais, vencendo montes e vales e tendo de atravessar muitos cursos de água, quase sempre a vau, pois apenas nos rios mais largos e de mais fortes caudais haviam sido lançadas pontes pênseis, construídas com lianas. 

 

A solução que encontrei foi a da adaptação dos mercados tradicionais à  evolução operada na produção agrícola, através da criação de mercados acessíveis a comerciantes europeus, em locais centrais das regiões mais povoadas, com maiores produções e situadas a maiores distâncias das povoações comerciais. Falei sobre esta iniciativa com os chefes tradicionais e com os comerciantes e todos a acolheram com agrado. Esses mercados, que funcionariam periodicarnente, nas épocas da colheita e preparação final dos géneros de maior interesse comercial, seriam fiscalizados pela autoridade administrativa, para se evitarem quaisquer abusos no tocante a pesos e preços. 

 

As regiões produtoras mais distantes eram as do Mucaba, no posto de 31 de Janeiro, e as do Cusso e do Huando, ambas no posto sede do concelho. O Mucaba e o Cusso já eram servidos por carreteiras, em regular estado de conservação, mas o núcleo principal das aldeias do Huando ainda distava mais de três quilómetros da picada que servia quatro pequenas fazendas de cafeicultores europeus e outra de um razoável produtor africano. 

 

Foi no decurso de diligências tendentes à criação do mercado desta última região que ocorreu o episódio que vou narrar. 

 

Aproveitando a ida das autoridades tradicionais do Huando à sede do concelho e durante a conversa que com eles mantive, falei-lhes da conveniência que a sua gente teria se lá fosse criado um mercado. Logo manifestaram inteira concordância quanto aos benefícios que a concretização da ideia traria para os povos do Huando, mas também de pronto objectaram que de todo seria impossível a retirada do café e do amendoim vendidos no mercado, dada a inexistência de caminhos que permitissem trânsito de camionetas. 

 

- Tendes razão, mas está nas vossas mãos a resolução do problema, disse-lhes eu, pensando em tarefas já levadas a cabo e tendentes a melhorar as condições de vida das populações e que tinham sido iniciadas a partir de sugestões ou conselhos meus. Não impunha procedimentos mas levava os chefes e os anciãos a decidirem por si. Falo nos anciãos porque eram eles, na verdade, quem tudo decidia, em regime de autêntica gerontocracia..

  

Esta minha actuação era como que uma antecipação do sistema que mais tarde foi sendo  posto em prática, na África e noutros continentes, sob a designação de desenvolvimento comunitário. 

 

Trocadas rápidas palavras entre os circunstantes, logo o soba retorquiu:- Está bem, já estamos a ver onde o senhor administrador quer chegar. Nós vamos beber água e depois damos a resposta . 

 

Ir beber água era, na linguagem corrente da região, trocar impressões tendentes à obtenção de um consenso na procura de solução de problema melindroso e de interesse colectivo. 

 

Passado algum tempo, não mais do que um quarto de hora, foi o soba chamar-me ao meu gabinete, para, no pátio anexo à Administração do Concelho, continuarmos a conversa interrompida. Sentados uns e acocorados outros na sombra tutelar de frondosa mulemba, logo o soba Malungo me dá conta do veredicto: 

 

"-Olhe, senhor administrador, estivemos a beber água, os nossos mais velhos e os sobetas13  todos falaram as suas maneiras e pensamos que nós e o senhor temos a mesma ideia. Para que o mercado se possa fazer, temos de abrir uma picada14. É trabalho que leva tempo, mas vamos chamar gente de todos os nossos povos e depressa chegaremos ao fim. Só lhe pedimos que mande um cipaio15 esperto para dirigir o trabalho do pessoal."

 

Imediatamente combinei com o soba os pormenores do empreendimento, garantindo-lhe que em breve iria escolher o traçado da picada, e que levaria comigo o cipaio  encarregado de dirigir os trabalhos. Igualmente ficou assente que a Administração forneceria as ferramentas necessárias, bem como os géneros para alimentação do pessoal. Às povoações do sobado caberia o fornecimento da mão de obra . 

 

Pouco tempo depois iniciaram-se os trabalhos, que decorreram com regularidade até à sua conclusão, e, na data aprazada, coincidente com o termo da preparação dos produtos a transaccionar, realizou-se o primeiro mercado, que teve pleno êxito, satisfazendo vendedores e compradores e excedendo até as previsões mais optimistas. 

 

Nesse ano e no seguinte vários mercados se realizaram, tanto no Mucaba como no Huando, e os resultados obtidos permitiram o amadurecimento da ideia de que se justificaria a criação, em cada uma dessas regiões, de povoações comerciais. Sondados os respectivos sobas, sobetas e anciãos, bem como os comerciantes estabelecidos na área do concelho, todos acolheram com entusiasmo a iniciativa e imediatamente se encetaram as diligências burocráticas tendentes à sua concretização oficial, propondo-se para a primeira a designação da própria região, Mucaba, e para a segunda a de Lemboa, porque assim se chamava a aldeia à beira da qual se implantaria. 

 

Logo que foi legalizada a sua criação, através de portarias do Governo Geral publicadas no Boletim Oficial, iniciou-se a implantação de arruamentos e dos talhões onde os comerciantes interessados construiriam os seus estabelecimentos, com residência anexa. De imediato começou a azáfama das construções e bem depressa abriram as primeiras lojas.

 

Por servir uma região mais populosa e com maior produção de café, a povoação do Mucaba mais rapidamente se desenvolveu e nela veio a ser instalada, pouco depois, a sede de um novo posto administrativo. 

 

Mas o que há  a destacar de tudo quanto atrás fica dito, foi a pronta aceitação de uma iniciativa que traria ao grupo nítidas vantagens, mas para cuja concretização era necessário um real empenhamento da comunidade, traduzido em mobilização de mão-de-obra abundante e por um período bastante dilatado, dada a inexistência, naquela época, de meios mecânicos que suprissem ou reduzissem substancialmente a necessidade do emprego de trabalho braçal. A autoridade administrativa lançou a ideia e garantiu o apoio, mas foi o povo, através dos seus legítimos representantes, que tomou sobre si a parte mais gravosa da tarefa. E tudo foi decidido rapidamente, num curto recolhimento destinado, apenas, a ... ir beber água .

 

                                    

 


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