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Portal da Damba e da História do Kongo

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"A FNLA é um monstro adormecido" - Entrevista

Publicado por Muana Damba activado 6 Junio 2016, 09:01am

Etiquetas: #Entrevistas

Fernando Pedro Gomes. Secretário para os assuntos jurídicos e constitucionais da FNLA (Frente de Libertação Nacional de Angola), professor, urbanista e funcionário público. Imagem da VOA.

Fernando Pedro Gomes. Secretário para os assuntos jurídicos e constitucionais da FNLA (Frente de Libertação Nacional de Angola), professor, urbanista e funcionário público. Imagem da VOA.

Por Nok Nogueira

Os anos passam e a FNLA continua a enfrentar os mesmos problemas internos sem sinais evidentes de que a reconciliação venha a ser um facto. Esta semana quatro dirigentes do partido vieram a público denunciar uma série de alegadas irregularidades. Antes, já Fernando
Pedro Gomes havia feito a mesma denúncia e contestado o acórdão do Tribunal Constitucional que legitimou Lucas Ngonda à frente do partido. Na conversa que manteve esta semana com o Novo Jornal, Fernando Pedro Gomes acusa os juízes conselheiros do Constitucional de pressões políticas para beneficiar uma das alas, a de Lucas Ngonda.

Novo Jornal (NJ): Há hoje quem defina a FNLA mais como uma manta de retalhos, que, mais ano menos ano, é um partido que se vai candidatando à sua própria extinção. O Fernando Pedro Gomes é um dos actores que está envolvido num movimento que se bate para ravitalizar essa força política. Pessoalmente, acredita que consiga inverter o quadro na FNLA?

Fernando Pedro Gomes ( FPG): Acredito que sim, porque acredito nos militantes, acredito que esta é a vontade dos militantes convictos. Estes são unânimes que a unidade é possível. Nós temos estado a trabalhar nisso apesar dos travões e barreiras que nos são erguidos por pessoas que pensamos que estão eivadas de má-fé, ou seja, não querem a unidade. Querem a todo o custo maltratar o partido, continuar a assistir à desgraça dos antigos combatentes, sobretudo, já que é uma desgraça nacional.

NJ: Quem são essas pessoas?

FGP: Os problemas são vários. Primeiro é que os antigos combatentes, sobretudo os ex-ELNA não estão na caixa das Forças Armadas Angolanas, portanto não são tidos nem achados. Este é o primeiro ponto. Segundo, os processos dos antigos combatentes no geral, que são encaminhados para o Ministério da Defesa, também não têm tido um tratamento digno...


NJ: Mas referia-se a pessoas que estão a “maltratar” o partido. Quem são essas pessoas?

FGP: Penso que a sociedade os conhece. São aqueles que dirigem, são cabeças de proa do partido, que nada fazem para a sua unidade. Os episódios recentes são evidentes de quem quer a unidade e quem não quer a unidade do partido. Não podemos admitir que alguém que esteja a dirigir o partido ou qualquer outra organização lute a dividir para melhor reinar. Vai tendo crises de expulsões, de suspensões, enfim...

NJ: E de auto-afastamentos, como aconteceu agora há poucos dias com quatro dirigentes?

FPG: Não se trata de auto-afastamentos. Tratou-se de um afastamento compulsivo por parte do presidente Lucas Ngonda, porque as ditas reuniões do bureau político e do comité central recentemente realizadas visaram tão-somente formalizar a expulsão dos irmãos Laiz Eduardo,Tristão Ernesto e de mais elementos que têm processos disciplinares no partido. Esta situação não aconteceu na devida altura porque os primeiros secretários-provinciais eleitos, segundo o presidente Lucas Ngonda, corresponderam a uma renovação de mandatos, mas sem cumprir as tais formalidades de renovação. Vou dar-lhe um exemplo, o primeiro-secretário da Lunda-Norte foi eleito, mas o do Moxico foi nomeado. Em que é que ficamos? Violando os estatutos de forma clara. Depois desta reunião dos primeiros secretários que aconselharam o presidente é que o processo foi abandonado e viraram-se para mim e para o Ndonda Zinga. Sem pré-condições, sem processos disciplinares, sem sermos ouvidos, uma decisão que parte do nada para sermos excluídos do bureau político do partido e com recomendações do sobrinho de Lucas Ngonda, Nicodemos – que parece que é coronel das Forças Armadas –, que é o secretário para o controlo e disciplina para instaurar processos para a nossa expulsão em próxima reunião do comité central...

NJ: Um militar no activo a exercer a militância partidária nos órgãos sociais?

FPG: Não sabemos bem. O partido está assim. Infelizmente, não sabemos em que condições é que ele está lá. Temos muitos oficiais, até do SINSE (Serviço de Informação e Segurança do Estado) que estão lá. Agora não sabemos se estão no activo ou não. Temos lá essas pessoas que apoiam o irmão Lucas Ngonda.

NJ: Quem está fora do ambiente do partido e pretenda perceber os meandros destas constantes clivagens deverá fazê-lo partindo de que elementos essenciais?

FPG: A partir de um acompanhamento sistemático do funcionamento do próprio partido. Estamos a ver constantes conferências de imprensa, ou seja, denúncias comportamentais da pessoa do presidente Lucas Ngonda e de outros que não conseguem ter uma visão do partido, e outros que têm outros compromissos e que acham que estrategicamente algumas promessas são suficientes para salvar a FNLA. Não, a FNLA tem que fazer por onde... o voto conquista-se nas urnas e não através de promessas de sermos directores dali e de acolá, que vamos continuar a ser deputados, não é só nessas condições. A FNLA, como movimento nacionalista angolano, dispensa qualquer tipo de favores. É um património nacional, é um património dos angolanos...

NJ: Está a querer dizer o quê com esta questão de troca de favores que levanta agora?

FPG: Parece que andamos no mundo de favores. De beija-mão, ou coisas parecidas... é esta FNLA que conhecemos agora, que não é a nossa FNLA. A FNLA que conhecemos não é essa. Não vive da mendicidade. Hoje em dia a FNLA é pedinte. Temos que pedir ao órgão de soberania para tentar pôr fim a este tipo de comportamento. Temos que pedir ao chefe de Estado para atender o caso dos antigos combatentes, quando é um dever de um governo legítimo que dirige o país. Não podemos dizer que uns têm direito e outros não. Quem governa, governa para todos. Não governar para uns e desgovernar para os outros. Tudo nos leva a pensar forçosamente que existe um plano para destruir propositadamente a FNLA. Penso que devíamos esquecer todas as querelas do passado. Ninguém foi santo durante a luta de libertação nacional. Eu não vi, porque sou participante e conheço a história. Sei que todos cometeram erros. Agora, isso não pode perdurar no tempo, século dezoito, dezanove, 40 anos, sempre a continuarmos a falar a mesma linguagem. Temos que mudar para pormos o país nos carris.

NJ: A FNLA está parada no tempo, foi forçada a parar no tempo, em que situação é que ela está?

FPG: A FNLA está moribunda. É a única resposta que lhe posso dar. Ninguém na sociedade angolana, pelo menos nos tempos de hoje e aqueles que conhecem a história da luta pela libertação nacional, consegue compreender a situação actual da FNLA. A FNLA está moribunda. Então de onde vem essa moribundice? Qual é a visão que os dirigentes têm desta situação? E têm efectivamente uma visão? Qual é a missão que eles têm? Estas perguntas só podem ser respondidas por quem estiver à frente do partido neste momento...

NJ: Quem está de fora não tem capacidade de leitura sobre a situação actual da FNLA?

FPG: Tem capacidade de leitura sim, senhor... hoje em dia já ouvimos influentes membros do MPLA e de outros partidos, para não falar só do MPLA, que lamentam e também não compreendem esse tipo de dirigentes que nós temos. E dizem que o MPLA não pode desaparecer, que a FNLA não é só vossa como militantes, eles é que o dizem, que o nosso movimento é a história do país, que é herança cultural de todos nós, assim como o MPLA, é herança cultural dos angolanos. Se calhar, os outros têm outra visão que não é estae nós não compreendemos que visão é que eles têm. Mas estamos a entender aos poucos qual é a visão. Quando quem devia unir não une, quando quem devia usar uma linguagem fraterna, de irmandade, de reconciliação interna continua a ranger os dentes contra as pessoas de boa-fé para encontrar uma situação airosa para o partido, quando assim acontece ficamos completamente desnorteados.

NJ: O senhor foi, nesses últimos meses, um dos militantes para quem se apontou mais o dedo acusador... A que se devem estes ataques directos à sua pessoa?

FPG: Temem a minha pessoa porque, se calhar, sou a pessoa que mais está apostada na unidade do partido. Eles como andam contra a unidade, não é esta a ideia que têm, ou não querem o entendimento de nenhuma das alas, acho que sim... Todos eles dirigem o seu combate internamente ao invés de nós lutarmos contra os adversários políticos para o voto, etc., etc. Parece que eles não estão para aí voltados...


NJ: Não é uma acusação muito forte para quem levanta a bandeira da unidade?

FPG: Eu aprendi que a prática é o critério da verdade. Isto foi a teoria marxista-leninista que todos nós aprendemos. A prática fala por si... o que é que a prática nos diz? Agora o que nós queremos é de facto é que esses mais velhos entendam que sem unidade o partido está a sofrer desaires. Não é isso que nós pretendemos. Se calhar, não estamos preparados para o poder propriamente dito, mas no mínimo aumentar o número de deputados à Assembleia Nacional... pelo menos termos lá 30, 40 deputados.

NJ: A FNLA ainda vai a tempo de conseguir esta proeza? Ainda é possível?

FPG: É possível porque a FNLA é um “monstro” adormecido. Muitos dos nossos avós, os nossos pais foram da UPA-FNLA porque foi o primeiro movimento que existiu aqui. Con-trariamente às falsas histórias que são contadas por aí, foi o movimento libertador que carregou sobre os seus ombros o fardo de libertar Angola e tudo isso todos nós sabemos. Se calhar as barreiras que muitos colocam são devidas a esse facto. Mas a verdade é uma: todos não po-demos governar ao mesmo tempo.

NJ: E é pretensão do senhor estar à frente da FNLA para conseguir essas conquistas?

FPG: O meu problema é o da unidade. Temos que lutar pela unidade do partido. Temos que falar numa linguagem que desemboque na reconciliação, na coesão do partido, enfim, na irmandade do partido. É claro, obedecendo aos instrumentos que nós próprios aprovámos: os estatutos, a Constituição da República, a Lei dos Partidos Políticos, portanto, é disso que estamos a falar. No mínimo, tem que haver transparência naquilo que estamos a fazer. Agora quando as pessoas querem ser outra coisa que não aquilo que os outros querem que seja então estamos a ferir susceptibilidades. O caro jornalista não imagina quantos antigos combatentes da FNLA morrem por dia. Nem imagina que fardo é este que a FNLA tem e que não consegue sequer resolver o problema dessas pessoas. São as pessoas individualmente consideradas que vão contribuindo para irmos enterrar os nossos ex-colegas. Isto é terrível e é um trabalhão para convencer as pessoas que Angola é esta, e que o problema não era só chegar ao poder, era libertar Angola. E Angola é esta que está libertada. Mas o pior disso tudo é que as pessoas estão a ser maltratadas pelo próprio partido. O partido não luta por eles, não luta pela unidade, não luta para que um dia o militante da FNLA possa sorrir e enfim dizer que está satisfeito. É isso que os nossos dirigentes não fazem. Mas nós temos dito o seguinte: a unidade dos militantes deve ser feita já. Os militantes têm que se reencontrar já para definir o futuro do partido, porque não podemos continuar com esse tipo de direcções e com esse tipo de dirigentes que não honram os compromissos, os interesses superiores do partido.

NJ: Lucas Ngonda e Ngola Kabango já não servem os interesses do partido?

FPG: Não. Não diria que eles não servem. Está errado. Não há organização sem mais velhos. Se houver uma nova geração para assumir a direcção do partido tem que honrar esses mais-velhos. São os históricos. A meu ver, esta tem sido sempre a minha ideia, é que eles dependem dos militantes sobre o posicionamento no partido. Ngola Kabango é útil, é histórico. Se calhar na geração dos históricos não deve haver três ou quatro com a sua dimensão. Mesmo no MPLA não há pessoa com a dimensão de Ngola Kabango, não há na UNITA, só que eles tinham que fazer por isso, demonstrar isso, que é um das figuras históricas que está em vida. Infelizmente, querem ficar a fazer culto da personalidade, talvez esses adjectivos todos os envaideçam. Não, é preciso irmos com humildade...Do ponto de vista clássico não somos da geração deles. Não vamos continuar intolerantes como eles, querendo apenas uma linha dura, permanecer por ali... até o presidente Lucas Ngonda, que veio falsificar as pessoas com reformas, afinal ele não é um reformista. Está a ver a questão geracional como é que funciona! Agora, por exemplo, foi o Tristão Ernesto e Laiz Eduardo que vieram denunciar graves irregularidades no partido. A única pessoa que não vê irregularidades no partido é o Tribunal Constitucional. Isto é admirável!

NJ: Era a questão que iria levantar agora... Uma das acusações que foram levantadas bem recentemente foi, e cito, que a sorte de Lucas Ngonda é estar protegido pelo Tribunal
Constitucional... Se não fosse o Tribunal Constitucional qual seria o órgão que haveria de proteger o partido?

FPG: A pergunta seria qual é o papel do Tribunal Constitucional nessa matéria. Nós sabemos, falamos com as pessoas, com os juízes conselheiros e dizem que recebem muitas pressões políticas... e da boca deles, que há muitas pressões... Nós dizemos, mas meu amigo, apliquem o Direito... porque senão o país não vai avançar. Tenho dito que enquanto o poder judicial não tomar a peito as suas responsabilidades a democracia não vai marchar. Vamos voltar à tirania com o selo branco do próprio Tribunal Constitucional, do poder judicial. Isso não funciona assim!

NJ: Está a dizer que o problema da FNLA não é só um problema de discussão política clássica mas que é também resultado de supostas artimanhas feitas à pala do poder judicial?

FPG: O processo da FNLA ainda não fechou. Ainda está lá. Eu fiz o recurso do acórdão que eles produziram. Agora, onde é que eles se basearam, quando a acta eleitoral está lá, quefala de 709 delegados contra 1501 que deviam estar presente no congresso? Além desses 709 delegados ao congresso ainda há a salientar 142 falsos delegados, tudo isso demonstrado em papel e remetido ao Tribunal Constitucional, mas eles foram encontrar um outro número mágico a dizer que houve lá 870 e que legitima, sim, a eleição de Lucas Ngonda. Houve crianças que foram votar. Todas essas coisas foram denunciadas. Remetemos, por província, nominalmente, os falsos delegados que estavam no congresso. Que tipo de prova é que precisam mais para emitir aquele tipo de acórdão? Por isso é que eu recorri do acórdão porque de facto estava eivado de vícios. Por outro lado, seria uma boa oportunidade para o próprio tribunal resolver os problemas do partido.

NJ: Lucas Ngonda, numa entrevista ao Jornal de Angola disse que não tem inimigos nem adversários, que é um militante como qualquer outro e que está a promover o interesse comum...

FPG: Isto é demagogia. Aliás, nós estamos habituados a disfarces desse género. O que é que justifica entã a expulsão de Fernando Pedro Gomes, Ndonda Zinga, Laiz Eduardo, processo disciplinar, Tristão Ernesto, processo disciplinar; as exonerações dos primeiros-secretários, sem pré-condições, sem obediência aos estatutos e a consequente destituição do bureau político. Não foram só exonerados, atenção. São cerca de oito primeiros-secretários, de oito províncias. Isso não é demagogia? Os chineses também já estão a praticar a democracia, portanto, a mentira já não chega à China.

NJ: Para terminar, Lucas Ngonda não é esta pessoa que diz ser nesta entrevista ao Jornal de Angola?

FPG: Não. E não é ideal para o partido. Não serve para a FNLA. Não serve para dirigir uma organização como a FNLA. Ele já não serve, nem tem capacidade para isso. Ele que encontre
outros motivos para justificar mas o irmão Lucas Ngonda não tem capacidade. E não é líder. É um chefe e os chefes não cabem na FNLA de agora. Couberam na FNLA passada, agora não.

"No MPLA nâo existem homens com dimensão históricas como Ngola Kabangu" - na Imagem, Ngola Kabangu, Holden Roberto e Daniel Julio Chipenda, de direita à esquerda, no tempo da luta pela libertação de Angola.

"No MPLA nâo existem homens com dimensão históricas como Ngola Kabangu" - na Imagem, Ngola Kabangu, Holden Roberto e Daniel Julio Chipenda, de direita à esquerda, no tempo da luta pela libertação de Angola.

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